Reportagem de Priscilla Sales e Felipe Cavalieri
Dezoito de março, madrugada de uma segunda-feira, o sapateiro Lucas Silva de Abreu, de 22 anos, caminha pela avenida Abrahão Brickmann, no Leporace, quando é alvejado com cinco tiros e morre. 21 de fevereiro, quinta-feira, 15h30, o comerciante Carlos Aparecido Pitondo, 47, o Didi, trabalha com a mulher em sua papelaria quando dois jovens entram e atiram. Ele é socorrido, mas morre no hospital. 20 de janeiro, um domingo, Zainer Jorge Eurípedes de Oliveira, de 22 anos, conversa com uma prima em frente à sua casa no Leporace, quando, por volta das 21 horas, um homem em uma moto atira quatro vezes contra ele. Zainer morre.
A descrição é o resumo do que tem se tornado uma triste rotina na região norte da cidade. No complexo Redentor-Leporace, neste ano, a média tem sido de um homicídio a cada 30 dias. Para os assassinos, não há hora, local ou planos para agir. Nem mesmo avenidas movimentadas ou estar em plena luz do dia os intimidam. Apenas apertam um gatilho.
Em outros pontos da cidade, a violência também faz suas vítimas. Crimes que há alguns anos eram raridade nas estatísticas da polícia hoje também vêm se tornando frequentes. Nestes primeiros três meses, ocorreram ao menos três assaltos com reféns em bairros considerados até pacatos, como o Residencial Baldassari, na região central da cidade, ou o Jardim Barão, próximo ao antigo pronto-socorro, onde no último dia 3 de março, uma família passou uma hora refém de quatro bandidos armados. As vítimas foram amarradas e trancadas em um dos quartos enquanto os ladrões faziam um limpa no imóvel.
A violência dessas ocorrências não deixa marcas apenas nas vítimas, mas em seus familiares, vizinhos... Contamina a cidade com o medo. Espalha traumas.
Sandra Pitondo, 47, viúva de Carlos Aparecido, ainda não consegue dormir. Todos os dias acorda no meio da noite assustada. Desde que o marido faleceu, no dia 26 de fevereiro, ela mora na casa de um irmão. Durante o velório dele, ladrões ainda arrombaram sua casa, na Vila Santa Terezinha, e levaram diversos objetos. Ela não quis voltar para lá. A papelaria, palco do crime, foi reaberta no último dia 4. “Esse é meu sustento. Precisava voltar a trabalhar pelas minhas duas filhas, que dependem de mim.”
O medo se tornou seu companheiro constante. “Os rapazes que atiraram no meu marido estavam de boné e roupas largas. Sempre que vejo alguém com essas roupas fico apavorada.” Sandra reza todos os dias pedindo a Deus para conseguir ter uma vida normal.
Flávio de Abreu ainda tenta entender em que momento da vida perdeu seu filho Lucas para as drogas. “Ele sempre foi um bom rapaz, mas de uns tempos para cá tinha se envolvido com as drogas. Já até estava esperando isso, porque nesse mundo da droga é assim: ou morre ou vai pra cadeia.”
Foi uma luta inglória tentar afastar Lucas do vício. “Foram cinco anos pelejando. Queria interná-lo, mas ele dizia que não precisava. As drogas venceram.”
Flávio não sabe quem tirou a vida do seu filho, mas teme que ele não seja o último a morrer por conta do vício. “Vejo muitos meninos perdidos ali. Queria que tivessem consciência que a droga está matando eles e suas famílias.”
Para o presidente do Comseg (Conselho Municipal de Segurança), órgão que discute as políticas públicas de combate à violência e a participação da sociedade, José de Jesus Gonçalves, a violência em Franca vem crescendo no mesmo ritmo que a cidade e não escolhe mais suas vítimas ou os lugares em que se fará presente. “O governo costuma dizer que temos índices de segurança equivalentes a países europeus, mas não é essa a sensação de quem vive a realidade da violência. Hoje ela está espalhada por toda a cidade, ultrapassou os limites da periferia e pode atingir qualquer um.”
Administrador e contador, José de Jesus debate os crimes na cidade há mais de dez anos. “No Comseg acompanho a evolução da violência.” Para ele, é difícil enumerar as causas da violência na cidade. “O que vivemos hoje é resultado de um conjunto enorme de fatores, que vão desde a desagregação da família e dos valores até uma legislação branda.”
O presidente do Comseg aponta como um dos problemas a falta de policiais e equipamentos mais modernos na cidade. Para mensurar as deficiências nessa área, basta avaliar a perda de efetivo sofrida pela Polícia Civil. Na década de 90, a Delegacia Seccional de Franca tinha 560 policiais civis, hoje são 360 (leia mais ao lado) . “Acompanho o trabalho da polícia e vejo que os profissionais são empenhados e comprometidos. Mas não em número suficiente. Precisa aumentar o efetivo.”
José de Jesus defende um maior engajamento da sociedade nos problemas que envolvem violência. “O ser humano está cada vez mais egoísta. Não se preocupa mais com o outro. Se vê alguém suspeito na porta de outra pessoa não liga para a polícia porque não está na sua casa. Isso tem que mudar.”
Para José, sem a maior participação dos cidadãos será difícil vencer a violência. “Não adianta eu sozinho pedir mais policiais. Todos temos que gritar, nos indignar com essa realidade.”
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