Três Franciscos

Poucos deles foram capazes de romper preceitos e quebrar tradições desde o início de seu pontificado como tem feito Francisco.

17/03/2013 | Tempo de leitura: 5 min

Poucos papas foram capazes de romper preceitos e tradições desde o início como tem feito Francisco. Nenhum, com sua simpatia e velocidade
Poucos papas foram capazes de romper preceitos e tradições desde o início como tem feito Francisco. Nenhum, com sua simpatia e velocidade

‘Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível’
São Francisco de Assis


Até a tarde do último dia 13 de março o argentino Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, não era ninguém. É verdade que o filho de imigrantes italianos que se tornou jesuíta e fora criado cardeal pelo papa João Paulo II era arcebispo de Buenos Aires. Mas para mim, aposto que para você e também para a quase totalidade dos 6 bilhões de habitantes deste planeta - com exceção dos 40 milhões de argentinos e de algumas centenas de religiosos - Bergoglio era apenas e tão somente um ilustre desconhecido. Não é mais.

Desde as 16h30 de quarta-feira (20h30, em Roma), Jorge Mario Bergoglio é Francisco. Mais precisamente, papa Francisco, cargo para o qual foi escolhido num conclave. Instantaneamente, tornou-se ‘infalível’ em questões de fé (o papa tem poder irrestrito no que que se refere à interpretação que os católicos dão às coisas de Deus na Terra), líder espiritual de um rebanho estimado em 1,1 bilhão de almas (o total de católicos espalhados pelo mundo) e chefe de Estado (uma espécie de ‘rei’ do Vaticano).

Tornar-se papa, por si só, já é um feito. Nos últimos dois mil anos, coube a somente a 266 pessoas (265 homens e, apesar da historiografia oficial da Igreja negar, provavelmente também uma mulher, a papisa Joana, no distante século 11) a honra de ostentar o título de sucessor de Pedro e líder dos católicos. Poucos deles foram capazes de romper preceitos e quebrar tradições desde o início de seu pontificado como tem feito Francisco. Nenhum, com a sua simpatia e velocidade.

Para começar, há a questão geográfica. Francisco é o primeiro sumo pontífice não-europeu da história. Os mais puristas podem sustentar que a afirmação está errada, pois já houve papas sírios e africanos. É uma meia-verdade. Os que tinham esta origem eram todos da região do mar mediterrâneo, muito próximos de Roma. Ainda assim, a última vez que isso aconteceu foi há 1200 anos. Não é o caso de Francisco que veio, como ele mesmo disse, ‘do fim do mundo’. É um feito monumental.

Francisco foi também o primeiro jesuíta a se tornar papa. A Companhia de Jesus foi fundada por um grupo de seis estudantes da Universidade de Paris, em 1534, com o propósito de ‘levar a palavra de Deus’ onde o papa julgasse conveniente. Converteu-se, ao longo dos séculos, numa espécie de tropa avançada do catolicismo, levando além-mar os fundamentos da religião e convertendo os ‘pagãos’ em todos os cantos do mundo, do Brasil à China. Apesar de dois daqueles seis estudantes que fundaram a ordem terem virado santos - Inácio de Loyola e Francisco Xavier -, o fato é que ao longo do tempo poucos jesuítas foram alçados à condição de cardeais e, só agora, 500 anos depois de sua fundação, um de seus membros se torna papa.

O novo papa surpreendeu também na escolha do nome. É a primeira vez que o sumo pontífice adota o nome de um dos santos mais queridos dos católicos, São Francisco - este, o de Assis. Na entrevista coletiva que concedeu à imprensa na manhã de sábado, Francisco, o papa, disse que a escolha do nome foi influenciada pelo cardeal emérito de São Paulo, dom Cláudio Hummes. Segundo ele, no conclave, ouviu de Dom Cláudio um conselho. ‘Não se esqueça dos pobres’. Por esta razão, adotou o ‘Francisco’. A escolha é de uma singeleza rara. Consegue, com um único gesto, resumir que linha pretende conferir ao seu pontificado, homenageia o santo fundador da sua própria ordem (o Francisco Xavier) e ainda faz o mesmo com o santo preferido dos católicos (o Francisco de Assis). Genial.

Nestes primeiros três dias de pontificado, Francisco fez muito mais. Para começar, logo na sua primeira oração Urbi et Orbi (para Roma e para o Mundo), dirigiu-se à multidão de fiéis que se espremiam na praça de São Pedro sem muitos ornamentos. Um monsenhor, encarregado da cerimônia, insistiu para que ele vestisse a capa vermelha, de pele, que era usada por Bento XVI. ‘Pode vesti-la você. O Carnaval acabou’, recusou Francisco. Na bancada do palácio apostólico, saudou os fiéis com um sonoro ‘boa noite’ - em italiano. Ignorou o latim que ninguém entende.

Na mesma noite, ao retornar para a casa Santa Marta, onde os cardeais ficaram isolados durante o conclave, dispensou a limusine e foi no ônibus junto com todos. Na manhã seguinte, teve comportamento semelhante e, uma vez mais, recusou veículos luxuosos. Preferiu um carro comum para ser conduzido à igreja de Santa Maria Maggiore, onde rezou missa. Ao retornar para o Vaticano, pediu que o motorista parasse no Centro do Clero Internacional, um hotel usado por religiosos que visitam Roma. Era ali que estava hospedado antes do conclave. Ao chegar ao local, foi até a recepção pagar a conta, pessoalmente. Fico imaginando a cara de espanto dos funcionários ao se depararem com aquele homem de branco entrando na recepção do hotel. ‘Quis dar o exemplo’, justificou. De volta ao Vaticano, incomodou-se com o tamanho dos aposentos papais. Diante de um grupo de cardeais que não escondiam a surpresa, lamentou. ‘Cabem 300 pessoas aqui dentro’.

Dizem os crédulos que Deus escreve certo por linhas tortas. É provável. Só isso explicaria o caminho sinuoso que levou um obscuro cardeal argentino ao posto de líder dos católicos do mundo. Talvez esteja reservado para um estrangeiro sem experiência com a Cúria e seus terríveis jogos de poder que protegem corruptos, ladrões, pedófilos, estupradores e afins o papel de redentor da Igreja moderna. É muito cedo para se projetar até onde pode chegar Francisco, o papa, claramente inspirado por outros dois Franciscos - o de Assis e o Xavier, mas é inegável que ele começou muito bem. Que os anjos digam amém.

CORRÊA NEVES JÚNIOR
é diretor-responsável do Comércio da Franca jrneves@comerciodafranca.com.br

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