Médico de 33 anos eleva Franca a polo cirúrgico de câncer de pele


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ESTÉTICA - Bruno de Carvalho Fantini diz que na cirurgia da face o método micrográfico facilita a reconstrução da parte afetada e minimiza as cicatrizes
ESTÉTICA - Bruno de Carvalho Fantini diz que na cirurgia da face o método micrográfico facilita a reconstrução da parte afetada e minimiza as cicatrizes

Franca nunca foi um centro médico que tivesse destaque no cenário estadual ou regional. Ao contrário, sempre dependeu da vizinha Ribeirão Preto e de outros centros mais especializados para tratamentos e cirurgias de maior complexidade. Hoje, no entanto, existe uma especialidade em cirurgia de tumor de pele em que a cidade está à frente até mesmo de Ribeirão, o que faz com que, nesse caso especifico, a trajetória se inverta, trazendo a Franca várias pessoas de outras cidades que aqui vêm buscar a cura para a sua enfermidade.

O responsável por isso é o jovem médico Bruno de Carvalho Fantini, de 33 anos. Casado com a também dermatologista Cilene Fantini, Bruno bacharelou-se em medicina pela USP, em 2003, no campus da cidade de São Paulo. Fez residência em clínica médica e em dermatologia no Hospital das Clínicas de São Paulo e especializou-se em cirurgia dermatológica.

Bruno distanciou-se do método cirúrgico convencional e buscou especializar-se em uma técnica desenvolvida ainda nos anos de 1940 pelo dr. Frederich Mohs, da Universidade de Wisconsin, nos EUA. Uma técnica que ficou conhecida como “cirurgia micrográfica de Mohs” e que, apesar de antiga e bastante difundida nos EUA e na Europa, ainda está engatinhando no Brasil.

Para isso, além da residência no Brasil, Bruno ficou cerca de dois meses estagiando na Clínica Mayo, em Rochester, no Estado norte-americano de Minnesota, uma das maiores referências mundiais para qualquer tipo de doença.

De forma geral, o conceito da cirurgia micrográfica de Mohs é simples. A aplicação é que é mais complicada. Trata-se de uma técnica que permite a avaliação das margens ressecadas do tumor durante o próprio processo da cirurgia. Ao invés de retirar o tumor com uma margem estatística de tecido bom para posterior análise em laboratório, que é feita por amostragem, como acontece na cirurgia convencional, a técnica micrográfica de Mohs permite que durante o próprio ato cirúrgico o médico analise no microscópio 100% das extremidades do tumor, verificando assim a permanência de qualquer resquício de células cancerígenas no corpo do paciente. Dessa forma, o médico não desperdiça tecido bom e também garante um índice baixíssimo de recidiva (quando o câncer aparece novamente), pois vai tirando a pele aos poucos e analisando cada pedaço retirado, até que não encontre mais nenhuma célula cancerígena em nenhuma das extremidades do tumor.

Essa técnica, obviamente, traz melhores resultados do que a convencional, mas também provoca uma cirurgia mais demorada. “Já cheguei a ficar em cirurgia das 8h até as 21h30 e teve outra que demorou mais de um dia”, afirma Bruno.

Atualmente, além de clinicar e operar em Franca durante três dias da semana, Bruno Fantini é também docente e cirurgião do Hospital das Clínicas da USP de Ribeirão Preto, onde foi o precursor dessa técnica de cirurgia dermatológica e onde trabalha na formação de novos cirurgiões que sejam capazes de aplicar a técnica micrográfica de Mohs.

No blog do Departamento de Cirurgia Micrográfica hospedado no site da Sociedade Brasileira de Dermatologia, Bruno Fantini consta como um dos 12 cirurgiões habilitados para realizar cirurgias micrográficas no Estado de São Paulo. No interior, desconsiderando Taubaté, no Vale do Paraíba, e cidades da Grande São Paulo, ele é praticamente o único.


Comércio da Franca - Por que essa técnica inventada pelo dr. Mohs há cerca de 60 anos é bem mais eficaz do que a técnica tradicionalmente utilizada nas cirurgias dermatológicas feitas no Brasil?
Bruno Fantini - A “sacada” do dr. Mohs está na análise minuciosa da fronteira entre o tumor e o tecido que ainda está bom. Se quisermos visualizar um tumor de pele em sua total integralização, podemos apelar para a imagem de um iceberg. Vemos claramente a parte que está fora da água, mas não sabemos como ele se ramifica sob as águas. É isso que acontece com os tumores de pele. O que Mohs descobriu foi uma forma de seguirmos essas ramificações de forma mais racional e científica, sem ter que tirar tecido bom do paciente, baseando-se apenas em amostras estatísticas.

Comércio - E como ele fez isso?
Bruno Fantini - Na cirurgia tradicional, tiramos o tumor do paciente e o enviamos para a análise laboratorial. Vamos imaginar que o tumor retirado seja um pão de forma. Nessa análise convencional, o que fazemos é tirar algumas “fatias de pão/tumor” de lugares diferentes do “pão/tumor”, mas de forma amostral. A análise dessas fatias, porém, em nada me garante que o tumor não tenha uma ramificação em um ponto que não foi incluído nessa amostragem. Mesmo considerando que o médico tire o tumor com uma margem de segurança razoável, baseado no histórico desse tipo de câncer e nos estudos já desenvolvidos, o que dá a essa cirurgia convencional uma eficácia de aproximadamente 90%, quando feita pela primeira vez, nada me garante que eu realmente tenha retirado todas as células doentes. Por outro lado, nessa técnica convencional, às vezes o médico acaba gastando tecido bom de forma desnecessária, já que ele não sabe exatamente onde está essa fronteira entre o tecido bom e o tecido cancerígeno. Já na técnica micrográfica de Mohs, os cortes feitos no tumor são diferentes. Imaginemos o mesmo pão de forma. Agora, ao invés de cortá-lo em fatias, pensemos em uma análise que leve em consideração toda a casca do “pão/tumor” que foi enviado para a análise. Ao analisar apenas a casca, que seria a fronteira entre o tecido ruim e o bom, o médico vai poder mapear se ainda pode ou não haver ramificações cancerígenas daquele tumor. Se ele achar algum ponto com células ruins na casca, existe então um indicativo de que ali ele precisa ir um pouco mais fundo, ou seja, ele precisa tirar um pouco mais de tecido e continuar a análise. Mas ele faz isso aos poucos, cortando o tecido bem rente ao tumor, para preservar tecido bom e não prejudicar a estética do paciente.

Comércio - E os resultados desse tipo de cirurgia são mesmo melhores do que os resultados verificados com o convencional?
Bruno Fantini - Certamente. Para se ter uma idéia dessa diferença, a taxa de recidiva em 5 anos para o tratamento do carcinoma basocelular, que é o tipo mais comum do câncer de pele, com recorrência em torno de 75% dos casos, é de 10% quando a ocorrência é primária, ou seja, quando se faz a cirurgia pela primeira vez, e de 17% quando já se trata de uma cirurgia motivada pelo retorno desse câncer. Com a técnica micrográfica de Mohs essas taxas caem para 1% e 6%, respectivamente.

Comércio - Por que essa técnica de cirurgia dermatológica não está mais difundida no Brasil, já que ela apresenta resultados superiores aos da cirurgia convencional?
Bruno Fantini - Sinceramente, eu não sei. Como lhe disse, a técnica é antiga e bastante conhecida. É verdade que no começo de sua utilização havia certo desconforto para o paciente, pois para fixar o tumor e depois ressecá-lo, o dr. Mohs utilizava cloreto de zinco sobre o tumor ainda no paciente. Isso provocava muita dor e também impedia que a operação prosseguisse no mesmo dia, caso fosse necessário. Porém, quando o próprio dr. Mohs refinou sua técnica, ainda na década de 1950, deixando de lado o cloreto de zinco e passando a retirar o tumor com anestesia local e depois a congelá-lo para posterior análise, esse tipo de cirurgia difundiu-se rapidamente. Nesse sentido, acredito que a falta de cirurgiões para esse tipo de procedimento se deva à falta de centros formadores, já que para trabalhar com cirurgia micrográfica é necessária uma formação específica, pois o médico precisa ter conhecimento e prática nas áreas de cirurgia, reconstrução de tumores de pele e patologia, além da dermatologia.

Comércio da Franca - Um aluno de medicina aprende sobre essa técnica na faculdade?
Bruno Fantini - Ele passa por essas discussões e aprende teoricamente sobre esse procedimento cirúrgico, mas não sai da faculdade apto a trabalhar com ele. Para isso, é necessário que ele procure se especializar posteriormente, e por conta própria.

Comércio - E por que os estudantes que escolhem dermatologia e optam por cirurgia não se interessam por cirurgia micrográfica?
Bruno Fantini - É difícil afirmar exatamente. Talvez seja pelo fato de essa cirurgia ser muito demorada e mais difícil de ser realizada, utilizando-se de procedimentos bem específicos. Por ser mais demorada, ela é também mais cara, o que a faz ficar de fora da maioria dos convênios médicos existentes no Brasil. Por aqui, ou você faz cirurgia micrográfica pelo SUS ou particular. Como a maioria dos médicos trabalha com convênio, esse também pode ser um motivo que afaste os estudantes de uma especialização nesse tipo de procedimento.

Comércio - Em quais casos a cirurgia micrográfica de Mohs é recomendada?
Bruno Fantini - Na literatura médica as indicações para a cirurgia micrográfica de Mohs já estão bem estabelecidas e podem ser verificadas no site da Associação Brasileira de Dermatologia. Entre várias, podemos citar as áreas com alto risco de recorrência, como a área central da face, pálpebras, supercílios, nariz, lábios, queixo, orelhas, mãos, pés e regiões genitais. Esse tipo de cirurgia deve ser utilizado também em casos de recidivas. Na minha clínica, cerca de 80% das cirurgias micrográficas que faço são recidivas e no HC de Ribeirão elas chegam a um percentual de 90%. Também se recomenda esse tipo de cirurgia caso o tumor tenha mais de 20 mm de diâmetro, apresente margens imprecisas em relação aos exames clínicos ou se localize sobre áreas irradiadas e cicatrizes crônicas. É interessante lembrar também que na região da face esse tipo de cirurgia apresenta um valor estético bastante significativo, pois como ele tira apenas o volume necessário de pele ruim, facilita a reconstrução da parte afetada e minimiza o problema das cicatrizes. Mas há um caso em que essa cirurgia não deve ser utilizada: no caso dos melanomas, uma vez que suas células não respondem muito bem ao processo de congelamento e não ficam muito evidentes, dificultando o trabalho do médico.
 

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