No começo da noite da última terça-feira, o empresário Mario Spaniol era só sorrisos. Ele festejava a abertura de duas novas franquias da Carmen Steffens, uma em Dubai, nos Emirados Árabes, e outra em Hollywood, nos Estados Unidos. Hoje, a fábrica de calçados femininos nascida em Franca soma 217 lojas no Brasil e 32 no exterior. São 2,2 mil empregados, 7 mil pares produzidos por dia, mil bolsas e 500 carteiras. Um patamar que o empresário nunca imaginou quando montou a fábrica há 19 anos.
Na semana passada, Spaniol ocupou as páginas dos jornais mais uma vez. Só que o assunto não eram suas empresas, mas o envolvimento dele com a Apae de Franca, entidade para a qual doou R$ 350 mil. “Acho que não adianta nada a gente acumular riqueza se não puder ajudar as pessoas e a comunidade. Eu conheci a Apae e me apaixonei. Agora estou cheio de ideias para ajudar a instituição e vou colocá-las em prática.”
Gaúcho de São Sebastião do Cai, Spaniol é hoje um dos empresários mais bem sucedidos do setor. Direto e sem meias palavras, seu jeito assusta, mas basta alguns minutos de conversa para ver que, por trás da cara fechada e da voz grave, há um homem com um humor ácido e inteligente. “Eu sou assim. Em Franca, metade das pessoas me ama e a outra me odeia. Mas poucos me conhecem de verdade. O que eu te digo é que não vou mudar apenas para agradar as pessoas.”
Spaniol começou a trabalhar aos 15 anos numa fábrica de bolsas em Novo Hamburgo. Aos 19, montou sua primeira empresa de comércio e representação de produtos para couros. Cinco anos depois, mudou-se para Franca, cidade que hoje considera sua casa. Três anos depois, fundou o curtume Couroquímica, que produz 250 mil metros de couros por mês.
No início dos anos 90, o empresário quase foi a falência. “Eu comprei a Calçados Vogue achando que iria fechar um grande negócio com empresários alemães, mas, então, veio o Plano Collor e nada se concretizou. Eu tinha uma dívida imensa para pagar. Precisei pedir dinheiro emprestado até para agiotas. Mas hoje, passado o susto, sei que aprendi muito e me orgulho de dizer que não devo um centavo para ninguém.”
O gaúcho também se envolveu na polêmica sobre a redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 12% para 7%. Para ele, é um absurdo o fato de alguns empresários reclamarem da medida. “Para mim, só há uma explicação. Eles não assistiram às aulas de matemática porque não há como não ter benefícios.”
Spaniol tem, como receita para o sucesso, o lema de que a vida é agora. “Então, não costumo ficar olhando para o passado porque não vou poder mudá-lo. Nem para o futuro porque ele ainda não me pertence. Eu costumo é fazer de tudo para ser o melhor hoje. Para dar o meu melhor agora. Claro que tenho sonhos, mas só sonhar não basta. É preciso agir e ter metas.”
A meta do gaúcho agora é chegar a 2016 com 400 lojas no Brasil e mais 100 espalhadas por 25 países.
Comércio da Franca - O senhor é gaúcho. Quando e por que veio para Franca?
Mario Spaniol - Vim no começo dos anos 80. Eu tinha uma empresa de representação de couro e fui convidado por um curtume francano para trabalhar em Franca e região. Fiz isso por alguns anos e depois montei meu próprio negócio. Eu percebi que em muitas fábricas havia sobra de couro que acabava sendo descartada, então, comecei a trabalhar com a reforma deste couro e ganhei muito dinheiro com isso. Depois montei a Couroquímica, no Distrito Industrial e a Point Shoes, que nem existe mais. E por fim, a Carmen Steffens.
Comércio - São 32 anos vivendo aqui...
Spaniol - Sim, eu costumo brincar que sou mais francano que os francanos. Porque eles nasceram aqui, mas eu optei por viver aqui. Eu adoro essa cidade. Aqui tem gente que me ama, tem gente que me odeia. Problema deles. Não tenho nada contra quem pensa diferente de mim, desde que respeite meu ponto de vista.
Comércio - Por que o senhor acha que tem gente que o odeia?
Spaniol - Porque não me conhecem. Eu não sou um cara “corruptível”. Eu tenho meus pontos de vista e muitas pessoas aqui, principalmente no nosso setor, querem que eu fale aquilo que elas querem ouvir. E eu só falo o que eu penso. Nunca vou falar nada apenas para agradar. Infelizmente, tem pessoas que não gostam disso. Eu fiz quatro palestras para empresários aqui e falei tudo o que eu penso. O que a Carmen fez de certo e de errado. O que eu faria de novo, o que eu não faria. Falei quais os caminhos para o setor. Eu não tenho medo de nada. Eu tenho que temer a minha incompetência, a nossa incompetência e não a concorrência. Eu já cometi muitos erros na minha vida e aprendi muito com eles. Eu sou um cara do setor, mas não gosto de me expor demais porque eu não concordo com as feiras [Couromoda em janeiro e Francal em julho], acho que o sindicato patronal tem uma visão muito burocrática.
Comércio - E por falar no que o senhor pensa, recentemente houve muita chiadeira do setor a respeito da redução do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) de 12 para 7%. O senhor foi um dos defensores deste corte. Como vê essas reclamações?
Spaniol - Nunca vi nada mais absurdo. Hoje 80% das lojas são microempresas e, portanto, não foram afetadas. Pelo contrário. Tiveram até uma vantagem já que se a fábrica pagava antes 12% de imposto e agora paga 7%, o preço do sapato deve ficar pelo menos 5% mais barato, que é a redução do imposto. Para os outros 20% do varejo, formado pelas lojas maiores, que antes se creditava de 12% e agora passa a se creditar de 7%, se o calçadista deu 5% de desconto, que ele tem que dar, fica tudo igual. Agora tem gente em Franca que faltou nessa aula. É só fazer a conta. Se você paga R$ 40 mil de ICMS por mês no Estado de São Paulo, com a medida, você vai passar a pagar R$ 16 mil a menos todo mês. Isso é dinheiro. São R$ 180 mil por ano a menos.
Comércio - Se é só uma questão matemática, por que tem tanta gente reclamando da medida?
Spaniol - Tem dois tipos de calçadista reclamando: o informal porque sabe que, com os preços menores, a concorrência para ele aumenta e o que não entendeu a medida. Eu estou disposto a fazer uma palestra e provar para estes calçadistas que isso é bom para o setor. O que é muito ruim para o setor é o governador ler essas reclamações. Ele deve pensar: “nossa, fiz tudo o que fiz por esses caras e eles ainda estão falando mal de mim”. Essa é a minha preocupação.
Comércio - Por que entre os calçadistas nunca existe uma opinião unânime? A impressão que se tem é de que a desunião no setor é muito grande.
Spaniol - Existem empresários e existem sapateiros. Empresário em Franca tem uma meia dúzia. Agora sapateiro deve haver uns 500. Eles têm que evoluir, o que menos importa nesse negócio é saber fazer sapato. Uma coisa que eu vejo diariamente em Franca é a questão do custo invisível, que muitos ignoram. Que adianta eu comprar um couro R$ 1 mais barato se a fábrica vai atrasar a entrega e parar a minha produção por três, quatro dias? O que precisamos é evoluir como empresários e não como sapateiros. Melhorar o planejamento estratégico, melhorar o investimento no seu produto, na sua marca.
Comércio - Historicamente, sua relação com o Sindicato dos Sapateiros não é das mais amistosas...
Spaniol - Meu problema com o sindicato era o Paulo Afonso [ex-presidente do Sindicato dos Sapateiros de Franca e hoje vereador]. Ele tem a visão de um cego, ouve como um surdo e é tão flexível quanto um poste. Como se mantém uma conversa com um cara como este? Eu não tenho problema nenhum com o sindicato desde que ele não me crie problema. Mas eu também tenho uma relação complicada com o Sindicato das Indústrias. Não tenho nada contra o José Carlos Brigagão, que é o presidente. Mas acho que o sindicato tem uma visão muito burocrática. É muita conversa. Mas não vejo nenhuma ação.
Comércio - A Carmen Steffens está sendo processada na França, Itália e nos EUA, acusada de plágio pela empresa do estilista Christian Louboutin por causa do solado vermelho. Como estão esses processos?
Spaniol - Já vencemos nos Estados Unidos, onde ele teve sua patente da cor vermelha cassada. O veredito do juiz foi o seguinte: “se o vermelho fosse de alguém, seria da Ferrari, como não é, cassa-se a patente”. Na França, ganhamos em primeira instância, mas o processo ainda não acabou. A Carmen Steffens é a marca das solas coloridas desde 1996, enquanto que as patentes de Louboutin foram registradas em 2003 na França e em 2008 nos EUA. Quando estes processos absurdos terminarem, vamos pedir reparação de danos nos EUA, França, Itália e Brasil, junto com a Ives Saint-Laurent, Valentino e Cesare Pacioti.
Comércio - Na semana passada, o senhor comandou o 3º Leilão da Apae, doando ainda R$ 350 mil para a instituição. Como começou seu envolvimento com a instituição?
Spaniol - Conheci a Apae em 2010 por causa do leilão e me apaixonei pelo serviço que eles realizam. Quem conhece a instituição de perto se compromete pois existe uma necessidade muito grande de ajuda. São 1.100 crianças atendidas. O custo mensal da entidade é de R$ 500 mil. Achei que tinha que fazer alguma coisa. Neste ano, já consegui dobrar o valor arrecadado com o leilão, mas ainda é pouco. Por isso estou estudando várias ações para conseguir aumentar a renda do leilão para o próximo ano para R$ 2 milhões. Também decidi que faremos uma festa de aniversário dos 20 anos da Carmen Steffens e a renda será toda revertida para a Apae. Queremos também conseguir 10 mil pessoas em Franca que façam uma doação mensal com débito automático de R$ 10 a R$ 50. A Apae presta um serviço de alta qualidade e precisa muito da ajuda de todos para continuar funcionando. Eu quero fazer a minha parte. Não adianta nada a gente acumular riqueza, se não puder melhorar a vida das pessoas e da comunidade onde vivemos.
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