Na sua coluna de domingo, na Folha de São Paulo, Danuza Leão escreveu sobre arrependimentos. Ela diz, no início do texto, que “se pudesse reescrever sua vida, mudaria um monte de coisas”. Mas as suas lembranças a conduzem para outra conclusão: ficaria, sim, arrependida se não tivesse feito tudo que fizera, pois estaria chorando por todas as insanidades que deixara de fazer.
Fiquei pensando sobre a diferença entre arrependimento e remorso. O Aurélio me ajudou, explicando que arrepender-se é sentir mágoa ou pesar por faltas ou erros cometidos, já o remorso é uma inquietação da consciência por culpa. Percebo, então, que o remorso vai mais fundo. A gente se arrepende de não ter chegado no horário, de ter dito, impulsivamente, uma palavra ferina... É ruim... Mas, às vezes, até dá para consertar. Já o remorso é culpa e a culpa vem acompanhada ou da maldade ou do egoísmo. Tomamos consciência de que fizemos algo realmente danoso e, na maioria das vezes, sem volta. O remorso fica ondulando na mente, navegando no coração e perturbando o espírito. Queremos nos livrar dele, mas ao mesmo tempo não podemos, pois como castigo precisamos ficar sentindo aquela dor até para nos punir. Isso é sofrimento alimentando-se de sofrimento. Pode nos levar a um grande cansaço, a uma desesperança com a vida ou a uma doença. É o sofrimento emocional do corpo.
Mas o que podemos fazer para conviver com essa dor? Infelizmente sabemos que os remorsos que já temos não fazem parte de uma conta fechada... Ainda teremos outros (e quantos!) e ainda nos perguntaremos: Será que não aprendi???
Na visão hesicasta dos antigos terapeutas de Alexandria, pecado é errar o alvo, é passar ao lado daquilo que é. Assim, quando sentimos remorso é porque não acertamos o alvo. Não chegamos na coisa certa, ao contrário, passamos ao lado dela. E, na maioria da vezes, isso cria um vazio de ansiedade e tristeza, um vazio pesado, quase impossível de carregar. O remorso, estranhamente, se aloja em algum lugar e passa um bom tempo inativo, mas uma simples observação, um olhar ou uma lembrança faz com que ele venha à tona com força total. Ele se torna, em questão de segundos, 100% ativo. E haja espaço para recebê-lo...
Jean-Yves Leloup nos diz que “pecado é esquecer a dignidade do ser humano no outro e em nós mesmos”. E complementa: “A palavra pecado é muito difícil de digerir porque vem carregada de memórias e de culpas, mas na maioria das vezes, não somos pecadores, somos imbecis, pois o pecado supõe a consciência”. Olhando assim, não merecemos punição, mas compaixão. Somos seres em crescimento e, em muitas ocasiões, perdemos o rumo, saímos da trilha, esquecemos da dignidade. Quando nos chega a consciência, o mal já está feito. O remorso pode ser, quem sabe, um refinamento da nossa dimensão espiritual, algo que precisamos sentir, mas principalmente, precisamos abandonar depois da lucidez. Atormentar-nos não é a solução.
Então, não temos outro caminho a não ser evoluir. Buscar essa consciência em cada passo, procurando acertar. Mas se ainda assim, com todo esforço, errarmos o alvo outra vez, só nos resta reconhecer nossa indignidade e, mais uma vez, nos perdoarmos.
Voltando a Danuza Leão: quem sabe, como ela, poderemos não mais nos arrepender. Quem sabe possamos entregar nossos remorsos ao passado (de onde eles nunca deveriam ter saído) e escolher novas estradas iluminadas por sentimentos mais lúcidos.
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