Se há um prato associado intimamente ao Natal é a rabanada, palavra cuja etimologia mais confunde que esclarece. A se crer em Antenor Nascentes, sua origem estaria em rábano, no léxico português uma raiz comestível. Usada em saladas, é usualmente cortada de jeito enviesado. A se supor mais verídica a versão de Cândido Figueiredo, a fonte da palavra seria o verbo espanhol rebana. Em bom português, cortar de parte a parte a parte, como fazemos com o filão de pão transformado em muitas rodelas.
Dias Lopes, que assina textos impecáveis sobre culinária em jornais e revistas, ensinou no começo deste dezembro no caderno Paladar, do jornal O Estado de São Paulo, que “vários países fazem rabanadas com nomes e adereços diferentes.” Roti telur, na Indonésia; khobz belbid no Marrocos; meetha andewala toast na Índia; gypsy toast na Inglaterra; pain perdu na França; french toast nos Estados Unidos; torreja na Espanha, fatias de parida, outro sinônimo no idioma lusitano.
Nomes à parte, a preparação é mais antiga do que a maioria talvez suponha. Já no primeiro livro de culinária de que se tem notícia, De Re Coquinaria, escrito por Marco Gavio Apicio no primeiro século da era cristã, aparece a receita em tudo semelhante à que elaboramos quase dois mil anos depois. Apicio, autor que legou o livro aos pósteros como contribuição do Império Romano à arte de cozinhar, orienta o leitor a cortar um pão em fatias grossas, molhar no leite, fritar no azeite e cobrir com mel. Simples, como tudo que resiste.
De forma geral o que vemos é a permanência do pão amanhecido que deve ser aproveitado, jamais desperdiçado, nunca jogado fora. Quem nunca ouviu dizer às gentes que “é pecado jogar pão no lixo?” À parte o respeito ao alimento e às leis mínimas da economia doméstica, emergem outras razões. Há que se pensar que o pão não é apenas parte do menu, mas também alimento simbólico que numa festa religiosa cristã assume o significado de corpo de Cristo, de contraponto espiritual à nossa carnalidade, de esperança em vidas que não sejam finitas. Mas na esteira do pão já se fazem rabanadas com brioches. E dizem que ficam ótimas.
Os temperos variam de acordo com as culturas. Podem entrar raspas de cítricos, gengibre, baunilha, açafrão, e até coco. No Brasil, provavelmente por influência dos portugueses que nos ensinaram a fazer rabanadas, açúcar e canela são imprescindíveis. Buscando uma receita menos calórica, publiquei há dois anos um jeito de fazer que eliminava a gordura da fritura. Marcou pontos positivos, pois todo mundo gosta, mas teme as calorias. Hoje volto a ela trocando também de leite, mais uma medida em favor das dietas hipocalóricas. Em lugar do condensado, vai o de vaca. Foi no que deu começar receita sem verificar se tinha todos os ingredientes à mão. A necessidade é mesmo a mãe das invenções, nenhuma dúvida. Então, ganhados mais uns pontinhos na categoria leveza, vamos à nossa rabanada assada. Você pode servi-las mornas, dentro da tradição; ou geladas, porque ficam também muito gostosas em baixas temperaturas. É claro que hoje já está tudo pronto para o almoço. Mas se por acaso você acabou se esquecendo das rabanadas, ainda dá tempo: em menos de meia hora elas estarão prontinhas sobre a sua mesa, para os seus queridos. Feliz Natal!
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