Da arte das marmitas


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Arte com comida - O obento já foi coisa da elite japonesa. Hoje, as marmitas decoradas em caixas de alumínio ou plástico se tornaram um dos símbolos do Japão moderno, já que pouca gente tem tempo para cozinhar e, além disso, as cozinhas são minúsculas.
Arte com comida - O obento já foi coisa da elite japonesa. Hoje, as marmitas decoradas em caixas de alumínio ou plástico se tornaram um dos símbolos do Japão moderno, já que pouca gente tem tempo para cozinhar e, além disso, as cozinhas são minúsculas.

Alguém disse por aí que marmitas têm charme e resolvemos acreditar. Certamente quem disse isso não comeu de marmita a vida toda. Eu comi por longos dez anos e acho uma tragédia comer de marmita. Mas não posso deixar de relatar que minha patroa nessa época, a simpática Neusa, da Feira dos Calçados, adorava “filar” uma colherada das nossas marmitas, mesmo podendo desfrutar de mesa posta em sua casa todos os dias. Vai entender...

Para mim era uma excentricidade.

A marmita tem o benefício de realçar o gosto da comida, pois descansa em ambiente fechado. Por outro lado fica tudo com o mesmo gosto, a textura se iguala: o caldo do feijão seca um pouco, a carne amolece, a batata frita murcha e por aí vai.

A arrumação de nossas marmitas carece de dinheiro e criatividade, e será mais ou menos fornida dependendo do esforço físico de cada marmiteiro ao longo do dia. E foi pensando nisso que o fotógrafo e artista Edu Simões resolveu fazer um retrato da gastronomia do dia-a-dia dos peões de obras. Ele fotografou durante meses as marmitas dos operários da construção civil. O resultado bonito, artístico, inquiridor é objeto de uma mostra de fotografias em Paris. O objetivo do trabalho do fotógrafo foi detectar qual é a “gastronomia para um dia de trabalho duro”. O resultado é artístico, pode-se afirmar, porque nos remete às reflexões: qual Severino ou Raimundo é o proprietário dessa ou daquela marmita, quem come o franguinho, quem come o picadinho? Mas surpresas não há. As marmitas são constituídas daquilo mesmo que pensamos: os indefectíveis arroz e feijão, com uma carne e uma verdura, atendendo sempre que possível o gosto e a cultura regional de cada um.

Por falar em cultura regional, vamos mais longe um pouco: ao Japão. Lá existem os obentos... que vêm a ser a marmita dos japoneses. Algo digno de nota. Fiquei sabendo dessas joias e fiquei encantada [coloquei uma foto aí embaixo para vocês conhecerem]. E não são apenas lindas e deliciosas, estão ligadas à cultura japonesa. Os obentos são também vendidos em lojas de departamento e geram uma loucura santa a cada lançamento, assim como roupa de grife. Eles podem custar até US$ 100!

Mas comer bem, comer fresco e bonito é uma obstinação japonesa. Pode-se dizer que não existe comida mais bonita. Para os japoneses, o embornal completo exige o compartilhamento com outra beleza nominada: o hanami - o florescer das cerejeiras. Nessa época, entre os meses de janeiro a maio, os obentos serão cor de rosa, rosa pálido, brancos. Vão conter carne de siri, salmão, camarões rosas, peixes de carnes rosadas, legumes brancos e rosas como rabanete, nabos. São os mais bonitos e disputados obentos, embora a cada estação seja eleita uma cor predominante para a escolha dos alimentos dentro das marmitas.

Culturalmente, os obentos portam o que de melhor cada região faz ou produz. Assim é possível comprá-los nas diversas estações de trem. As embalagens cada vez mais sofisticadas, a comida cada vez melhor é o cartão de visitas dessa ou daquela região.

Torço para que um dia, lá no Japão, um hanami coincida comigo ou com vocês. Daí vamos ao parque disputar em silêncio monástico um espacinho na grama ou um banquinho, vamos abrir nosso obento, contemplar cerejeiras e comer primavera.


Dica da semana

Em um dos capítulos do livro Cozinha Confi-dencial, Bourdain declara: "se você não é um de nós(cozinheiros profissionais) jamais co-zinhará como nós".

Esta afirmação pode parecer rude, mas é verdadeira, não por uma questão de talento ou gosto pela cozinha, mas sim por uma questão de recursos. O cozinheiro doméstico não tem ao seu dispor manteigas temperadas com esmeros, azeites aromatizados, e caldos diversos. Vários chefes dizem que o item principal para a elaboração do sabor da sua casa é o demiglacê, uma caldo elaborado que cozinha por até 40 horas. Mas isso é preciosismo de quem ganha a vida com as panelas. Dá pra fazer algo muito saboroso, que vai enriquecer sopas, caldos e molhos de carne com bem menos tempo.

Use 1,5 kg de ossos bovinos; 1 cebola picada; 2 cenouras, 1 alho porró; 1 talo de salsão; 3 litros de água; 2 colheres de purê de tomate; 1 buquê garni (ervas frescas amarradas, podem ser louro, tomilho, salsa, alecrim, etc); e 6 grãos de pimenta-do-reino.

Asse os ossos a 230° C por 40 min, depois coloque tudo em uma uma panela e cozinhe por cerca de 3 horas, em fogo baixo. Com uma escumadeira vá tirando a espuma de cima. Ao final coe e deixe esfriar.

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