Numa época em que quase tudo é feito por computador, a escrita à mão volta à sua origem e resiste como arte. O profissional responsável por ela chama-se calígrafo. O resultado de seu trabalho pode ser visto em certificados e convites de casamento, por exemplo. Suas ferramentas são tintas importadas, canetas “bico de pena” e papéis especiais.
Como a procura pelo serviço é pequena, a atividade geralmente funciona como um complemento de renda ao calígrafo. Em Franca, o profissional pode chegar a ganhar R$ 1 mil por mês, com seis horas diárias de trabalho.
HISTÓRIA
Através da história a escrita recebe traços de magia e encantamento, conferindo poder aos que a dominavam. Surgiu 30 mil anos A.C. com os pictogramas nas paredes das cavernas. Passou pelos hieróglifos dos escribas egípcios, pelo alfabeto dos comerciantes fenícios, pelas bibliotecas dos filósofos gregos e pelas letras maiúsculas dos romanos até chegar ao estilo gótico dos monges copistas da Idade Média. Foi apenas com o Renascimento, na Europa do século XV, e a invenção da prensa móvel, que a escrita se popularizou até chegar ao que conhecemos hoje.
Atualmente, com a letra de mão caindo em desuso entre os estudantes, a caligrafia volta a ser artigo de luxo. Como hobby ou “bico”, ela perdeu a funcionalidade e passou a ser identificada mais como desenho, artesanato, decoração ou design. E como em toda arte, a caligrafia requer talento, dom.
PAIXÃO
Janaína Aparecida de Oliveira, 34, é pedagoga, mas nunca exerceu a profissão. Sempre teve letra bonita e gostou de trabalhos artesanais. Quando tinha 19 anos e ainda estava na faculdade, uma prima pediu a ela que escrevesse os nomes nos convites de casamento. Ficou tão bom que um amigo da noiva contratou seus serviços como calígrafa.
Daí para frente foram anos de estudo e perseverança. A repetição exaustiva - que praticamente desapareceu das salas de aula brasileiras junto com os cadernos de caligrafia - é parte fundamental na formação de um calígrafo. “Aprendi sozinha em casa, copiando as letras. Há cursos na capital, mas são aulas em que você recebe os modelos e treina”, disse ela.
Hoje, 15 anos depois, Janaína dedica cerca de seis horas de seu tempo diariamente à atividade. “Descanso em intervalos regulares e tomo muito cuidado com o punho”. Quanto aos rendimentos, a francana afirma que é possível ganhar até R$ 1 mil apenas com a escrita. “Mas você não se firma de um dia para o outro. É preciso prática para o serviço ficar perfeito e tempo para formar sua clientela”.
Para quem pensa em se aventurar como calígrafa, Janaína enumera as aptidões necessárias: “Organização, coordenação motora e, principalmente, o dom do desenho”.
HOBBY
Izabela Wilson Zanardi Moraes, 29, é designer e adotou a caligrafia como hobby. Começou aos 14 anos no caderno pautado por obrigação. “Minha mãe fazia a gente ficar pelo menos uma hora todos os dias fazendo exercícios de caligrafia. Para ela, filho com letra feia era o fim. Tinha que ser legível e rápida”, disse ela.
Ela conta que aos poucos foi se apaixonando pelo ofício, que no início levava na brincadeira. “Meus professores adoravam as capas dos meus trabalhos. Fazia umas letras capitulares grandes cheias de filigranas”, lembrou a designer. Segundo ela, seu despertar para a profissão aconteceu tarde demais. “Em 2002, houve um ‘boom’ de novas fontes para computadores. As pessoas descobriram que poderiam escrever e imprimir textos com a letra que antes tinham que pagar para desenhar. Foi quando percebi que a profissão estava morrendo”, disse ela. Mas o tempo passou e os calígrafos continuam por aí, firmes e fortes. Izabela explica: “Há pessoas que ainda acreditam que usar a caligrafia ao endereçar um convite, por exemplo, é um sinal de cuidado e atenção”.
Letras mais utilizadas
French Ronde
Usada em certificados, convites e etiquetas de documentos. É versátil e legível
Old English
Mais formal e preferida no meio acadêmico. É trabalhosa. Pede um bico de pena especial
Champagne
Da linha clássica, é utilizada para eventos, convites e certificados. É tão difícil que algumas pessoas precisam até de aquecimento antes de iniciar o trabalho, senão ela não sai
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