Mostra literária com Luiz Cruz de Oliveira e Sonia Machiavelli


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Luiz Cruz de Oliveira e Sonia Machiavelli posam numa das salas da instalação
Luiz Cruz de Oliveira e Sonia Machiavelli posam numa das salas da instalação

Ave, Palavra!. O próprio nome da escola saúda as letras e nada é mais apropriado que instalar uma mostra literária no local. A ideia é reviver toda a trajetória ao longo dos anos pelo mundo da literatura. Amigos de muitos anos, os escritores francanos Sonia Machiavelli, presidente do Conselho Consultivo do GCN, e Luiz Cruz de Oliveira inauguram hoje sua primeira exposição juntos.

Logo na entrada, o visitante é surpreendido com as quatro estações do ano retratadas em haicais e imagens de árvores de Franca - registradas pelos fotógrafos do Comércio. O flamboiã representa a alegria da primavera. A quaresmeira, o calor do verão. A espatódea, a maturidade do outono. A embaúba, o frio do inverno. “É que as marcas de cada estação do ano se tornam visíveis em muitas espécies de árvores”, afirma Sonia, revelando que a sua estação favorita, em nosso he-misfério, é o outono, “por causa da cor do céu, da qualidade da luz e dos ipês floridos”.

No corredor principal, um varal de arame farpado sustenta 12 poemas de Sonia - entre eles, Varal, Inventário e Brevidade - pintados a mão em tecidos que remetem ao doméstico, ao artesanato e ao feminino. “O arame farpado pode representar um momento de dor que eu vivia, que me feria, mas que trouxe consigo a possibilidade de renascimento. As roupas expostas ao sol podem ser os poemas que brotam das farpas. É uma possível leitura para o que não tem muita explicação”, revela Sonia.

Por todos os lados da instalação, as letras saltam aos olhos. Sonia consegue escancarar a sua intimidade com delicadeza. A leveza dos coloridos origamis com haicais que decoram a janela de uma das salas contrasta com os espelhos no corredor, uma referência ao livro Jantar na Acemira, que também aparece em um dos cômodos com uma mesa decorada com sofisticação. “Os muitos espelhos em uma das paredes da mostra convidam o visitante a se mirar, a olhar para os próprios demônios”, explica Sonia.

Já a sala Muitos Motivos é especial para a escritora. Nela, estão objetos e textos que guarda em seu baú. Um Romance Histórico, o primeiro texto publicado no jornal Comércio da Franca, em abril de 1971, ganha destaque ao lado de outros quadros que estampam matérias significativas para ela. Na escrivaninha, anotações do amigo Luiz Cruz em seus rascunhos, cadernos, uma galinha-d’angola, uma tecelã, desenhos e estudos que a artista plástica Maria Atalie Rodrigues fez para a capa do livro Jantar na Acemira. Uma Bolsa Grená é representada por uma bolsa cheia de fotos de seu acervo enquanto o preâmbulo de Estações cobre o chão com letras em preto e branco e o título “Aviso aos Navegantes”.

Na saída, o visitante ainda é surpreendido com uma pequena caixa de madeira decupada com folhas de jornal do caderno Nossas Letras. Dentro, o poema Sementes e três sementes de saboneteira, remetendo ao renascimento.

A mostra literária está sendo planejada há meses em parceria com o Núcleo Artiloka. “Os artistas convidados leram os livros da Sonia - Uma Bolsa Grená (crônicas), Estações (contos), Jantar na Acemira (romance) e O Poço (contos) - e depois de muitos encontros com a escritora conseguiram definir o caminho da exposição. Foi muito trabalhoso, cada detalhe foi pensado e criado artesanalmente. Mas valeu a pena”, ressalta a artista plástica Karina Gera, fundadora do Artiloka.

HISTÓRIA DE VIDA
Depois de apreciar tantos elementos, os olhos descansam no recanto que abriga as obras de Luiz Cruz. A sensação de bem estar toma conta da alma. Com sua humildade e alegria contagiante, o escritor confere fé ao que fala.

“Nesta trajetória pelo mundo literário, as estrelas e as luzes estabeleceram meu norte, ou seja, minha crença religiosa e os personagens da vida real: pai, mãe, irmãos, filhos, que de uma forma colaboraram”, argumenta Cruz. “O caminho que percorri, os desafios e obstáculos que enfrentei e os estímulos que tive nesta caminhada, tudo foi importante”, completa, mostrando uma carta do saudoso Nelson Wernek Sodré, que na sua opinião “foi um dos maiores intelectuais que conheci”.

Cruz acredita que o local onde nasceu, na região do Córrego das Pedras, entre as cidades mineiras de Cássia e Ibiraci, é uma dádiva de Deus. “Várias pessoas saíram daquela ‘regiãozinha’ do pé da serra e se tornaram escritores, pintores, enfim, artistas. Estou em Franca desde 1951 e aqui também se produz muito. Em 100 anos de história, a cidade já teve uns 300 escritores”, acredita, representando sua arte e inspiração com um papel em branco e uma caneta.

Para dar vida ao seu personagem fictício favorito, o Chico Franco, Luiz Cruz fez uma “loucura”. “Aluguei um terno branco, uma bengala e chapéu Panamá e fui para a Praça Nossa Senhora da Conceição e a Barão para fotografar. Foi divertido, as pessoas pararam para olhar”, comenta. O resultado da “arte” pode ser visto no quadro que divide espaço com seus 28 livros lançados.

Cruz revela ainda que expõe três obras inéditas que não foram publicadas. “Geocin é o primeiro livro que escrevi, mas é fraco, peguei apenas uns textos e usei em outras obras. Viagem para Vega é o meu primeiro romance, um treinamento, uma fase de aprendizado. E Tempo de Estrela, que acabei em 1995, é um depoimento da minha passagem pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Na época decidi não publicar, mas quem sabe depois que eu morrer alguém publica”, brinca.

O espaço da mostra que deixa Cruz mais orgulhoso é a Sapataria Literária, que reúne, em caixas de sapato, livros de cerca de 200 escritores francanos. Estão lá, por exemplo, obras como O Embrião, de Antonio Constantino, primeiro romance publicado em Franca, em 1938. Figuram nas caixas nomes de Evelina Gramani Gomes, Garcia Neto, Josaphat Guimarães França, Chorinho, Moiséis Maia e Jonas Deocleciano Ribeiro. “Esses artífices da palavra, que ajudaram a construir a cultura francana, como os artesãos do couro ajudaram a erigir sua economia. Lembram mãos e corações a serviço do corpo e da alma, e suas pegadas, nos caminhos da matéria e do sonho”, relata a escritora Eny Miranda no quadro afixado a uma das paredes.

Para os admiradores das letras, ainda há mais um presente: todos os exemplares publicados do caderno Nossas Letras, há cinco anos, no Comércio - guardados por Cruz a cada edição, todo sábado -, foram encadernados e podem ser lidos à vontade.

CF - Como surgiu a ideia de representar as estações com imagens de árvores? Qual a sua estação favorita?
Sonia -
É que as marcas de cada estação do ano se tornam visíveis em muitas espécies de árvores. Minha ideia inicial era fotografar um flamboiã ao longo de doze meses. É uma árvore que exibe com nitidez os quatro ciclos: incendiada pelas flores na primavera, perde as folhas no verão, fica nua no outono, se repleta de brotos no final do inverno, para florir enfim de novo em setembro. Roberto Carlos inspirou-se nesta árvore para compor uma de suas canções mais nostálgicas. Minha estação favorita é o outono, por causa da cor do céu, da qualidade da luz e dos ipês floridos.

CF - O que o varal com arame farpado e os tecidos coloridos representam? Qual é a sua poesia preferida?
Sonia -
A poesia é um gênero que me acometeu recentemente, há cinco anos. Nunca havia sido habitada pela poesia, sempre fui prosadora. Mas no final de 2005 fiz uma viagem com minha neta Júlia, que então tinha sete anos. Fomos as duas, sozinhas, à Costa do Sauípe. E do aeroporto àquele complexo, vi uma cena rural, uma mulher estendendo roupas molhadas numa cerca de arame farpado. Senti algo inenarrável. Ao chegar ao hotel escrevi em poucos minutos o poema Varal. E a partir daquele dia passei a ser assediada por esta dama delicada e exigente que é Dona Poesia. Diria então que o arame farpado pode representar um momento de dor que eu vivia, que me feria, mas que trouxe consigo a possibilidade de renascimento. As roupas expostas ao sol podem ser os poemas que brotam das farpas. É uma possível leitura para o que não tem muita explicação. Gosto de Varal e de Inventário, que é do mesmo período.

CF - Qual é o intuito dos espelhos na mostra?
Sonia -
Os espelhos são uma referência direta ao romance Jantar na Acemira. Há um longo parágrafo onde a protagonista Lilith, na tradição da Cabala e de outros textos religiosos judaicos, enumera os demônios, dando-lhes muitos nomes sob uma denominação maior - Lilinos, para depois concluir que os Lilinos não estão fora e sim dentro dela. Os vinte espelhos em uma das paredes da mostra convidam o visitante a se mirar, a olhar para os próprios demônios.

CF - Fale sobre a influência do Oriente em seus trabalhos...
Sonia -
Eu acho que o Oriente começou a me influenciar desde criança, por umas vias estranhas. Fui uma menina que tinha olhos muito puxados (depois se amendoaram...) e me perguntavam se eu era filha de japoneses. Mais tarde, aprendi a bordar e os temas com assuntos orientais eram os preferidos. O motivo japonês, que está no livro Estações, acho que é uma pista até para mim. E depois, quando estive na Turquia, que tem metade de seu território na Ásia, também me senti tocada por aquela cultura e paisagens. É isso, como a Lua, acho que venho espiritualmente da Ásia.

CF - O que as sementes de saboneteira significam?
Sonia -
Significam, como todas as sementes, possibilidades de renascer.

CF - A mostra está sendo planejada há meses em parceria com o Núcleo Artiloka. Como foi produzir esse trabalho?
Sonia -
Foi intenso. Custoso e prazeroso ao mesmo tempo. Gostei muito de trabalhar em parceria com Karina Gera, que soube adivinhar meus sonhos e transformá-los em realidade. Renzo Covas também foi parceiro importante na finalização do espaço externo, que simboliza a Fazenda Acemira, de meu romance Jantar na Acemira. Ambos intuíram, como artistas que são, aquilo que eu considerava relevante mostrar.

CF - Ao reunir textos, obras e elementos da sua trajetória no mundo literário, o que mais a surpreendeu?
Sonia -
O que mais me surpreendeu foi ver na quinta-feira, pela manhã, a sala principal pronta. Olhando-a, de repente me dei conta dos três eixos que nortearam minha obra até aqui: a infância, o espaço doméstico e a mitologia. O arcaico e o arquetípico estão próximos... Ficou muito claro para mim, como num insight. Entendi com clareza como fui conduzida, provavelmente por meu inconsciente.

CF - Fale um pouco sobre o livro que pretende lançar no segundo semestre.
Sonia -
Estou reunindo poemas já escritos e me encontro em processo de criação de outros. Gostaria de juntar todos num livro que ainda não sei se será possível nos próximos meses.
 

SERVIÇOS
Mostra Literária - Sonia Machiavelli e Luiz Cruz de Oliveira
Local: Ave, Palavra! - R. Campos Salles, 1510 - Centro
Data: de 23 a 30 de julho - das 9 às 15 horas / os escritores participam do primeiro e último dia da mostra
Entrada: gratuita

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