
Por Fernanda Martins e Tiago Cesar, da Redação
Depois de 40 anos de carreira, a dupla Léo Canhoto & Robertinho não perdeu a irreverência e a autenticidade características dos cantores, que marcaram e redefiniram os caminhos da música sertaneja, o gênero musical mais popular atualmente no Brasil. A dupla esteve em Franca no último sábado para um show no clube da Associação dos Servidores Municipais de Franca. Os sertanejos também fizeram uma apresentação ao vivo no programa Canta Brasil, da rádio Difusora, e concederam uma entrevista exclusiva e bem descontraída ao Comércio. Durante o bate papo, os artistas se sentiram bem à vontade e mostraram bom humor. Os dois não abandonaram o estilo marcante e os tradicionais cabelos compridos.
Segundo o professor universitário e autor do livro Acorde na aurora: Música sertaneja e indústria cultural, a dupla Léo Canhoto & Robertinho é responsável pela principal transformação da história da música sertaneja. Eles foram os primeiros a inserir a guitarra nas composições e a ganhar um disco de ouro. "Nós fomos a primeira dupla a comprar uma guitarra", conta Léo. Os dois também inovaram no vestuário e nos cabelos compridos, ganhando, na época, o apelido de "a jovem dupla de cabelos compridos". Antes de Léo & Robertinho, a música sertaneja era mais caipira, com temáticas exclusivas da vida do homem do campo e os instrumentos eram basicamente viola e violão. Os "cabeludos" quebraram este paradigma e inseriram de vez a música sertaneja na indústria cultural e no espetáculo midiático.
Há oito meses, eles lançaram o primeiro DVD da carreira, Léo Canhoto & Robertinho - 40 Anos, além do disco com o mesmo nome, em comemoração ao tempo de existência da dupla. O novo trabalho conta com sucessos como Chumbo Quente, A Gaivota e O Último Julgamento. Em 40 anos, a dupla já produziu 20 vinis, seis CDs, um DVD e o longa-metragem Chumbo Quente.
A dupla não vinha a Franca há 30 anos. Muitos dos fãs presentes no show de sábado sequer haviam nascido quando eles vieram à cidade pela última vez. Cerca de duas mil pessoas foram assistir à apresentação. Entre tantos fãs, meia dúzia de jovens se destacou. Eles foram vestidos a caráter, com chapéu e lenço encobrindo a face, deixando a mostra apenas os olhos, no estilo faroeste. Os jovens também estavam com cartazes nas costas com os nomes de Buck Sarampo e de outros personagens marcantes da carreira da dupla.
Sempre irreverentes, no meio do show a dupla simulou uma discussão após pedido para cantar a música O Palco Caiu. Robertinho não quis cantá-la, saiu do palco e foi para o camarim. Pouco depois, ele retornou empunhando um revólver e disparou contra o Léo, que fingiu ser atingido e caiu no palco. O Léo se levanta e a dupla finalmente decide atender ao pedido dos fãs. Confira a entrevista na íntegra.
Comércio da Franca - Vocês são responsáveis por uma transformação na música sertaneja na década de 1960, ao inserir instrumentos eletrônicos no trabalho. Aonde vocês buscaram esse estilo diferenciado?
Léo Canhoto - Comecei quando compositor, a vida era dura, então comecei a trabalhar como empresário e aí melhorou um pouco. Conheci o Robertinho em Goiás, quando eu viajava para Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Minas, com Vieira & Vieirinha, uma dupla que tocava viola autêntica. Começamos a ensaiar e o Robertinho foi para São Paulo conosco. Então eu falei que a gente deveria mudar, porque era só viola, violão, sanfona e tinha o pistão, que era bastante usado, era do mariachi, estilo do México. Pensei em usar instrumentos modernos, na época os Beatles estavam estourados.
CF - Então vocês tiveram a influência do rock?
Léo Canhoto - Sim. Aí o Roberto Carlos também estava estourado no Brasil, até o nome Robertinho foi inspirado nele, o Robertinho (cujo nome verdadeiro é José) era fã dele. Meu nome é Leonildo e aproveitei as três primeiras sílabas e sou canhoto no violão. O primeiro disco foi sertanejo, no segundo a gente já inovou.
Robertinho - Mas no primeiro já tinha um pouco de guitarra.
Léo Canhoto - Depois já começamos a pegar pesado, com bateria, contrabaixo, guitarra... na época exigimos na gravadora bons músicos e Os Incríveis tocavam com a gente. Fomos a primeira dupla a comprar duas guitarras, afinamos e fomos tocar no circo, "descemos o porrete".
CF - Vocês tiveram influência dos ritmos latinos?
Léo Canhoto - Teve o paraguai, a polca, a guarânia, o chamamé, mas o ritmo caribenho não. Naquela época pouco se gravava esse ritmo no Brasil. Hoje grava-se muito. Gravamos dois rocks, "botamos" a pancadaria dos Incríveis, um arranjo pesado, era a história de um azarado que "socou o pé na bunda dela", bem feito, risos.
CF - Qual a primeira música da dupla que estourou?
Robertinho - Apartamento 37. Teve também Jack, o Matador, O Homem Mau Buck Sarampo, Amazonas Kid...
CF - Então vocês também tiveram influência do bang-bang, do faroeste? Algumas canções descrevem uma cena, como um teatro...
Léo Canhoto - Naquela época o faroeste tava estourado, mas não tive influência.
CF - E vocês comemoram agora 40 anos de carreira. Quantos álbuns foram lançados neste período?
Robertinho - 20 discos de vinil, um filme, o longa metragem chamado Chumbo Quente, seis CDs e o último lançamento, um CD e DVD em comemoração aos 40 anos da dupla, que foi lançado há oito meses.
CF - Fale um pouco sobre esse novo trabalho que leva o nome da dupla...
Robertinho - O DVD tem 16 regravações e quatro inéditas e foi gravado em Jaguariúna (SP).
CF - O que vocês acham dessa transformação que a música sertaneja vem passando?
Léo Canhoto - Legal. Tem música muito boa aí.
Robertinho - Tem que mudar mesmo.
Léo Canhoto - A música muda. Antigamente a música era uma, hoje é outra. Depois veio Léo Canhoto e Robertinho, mudaram tudo e vieram outras duplas. Agora então veio uma mudança brava...
CF - Pra melhor ou pra pior?
Léo Canhoto - Pois é. Tem músicas boas, a chamada universitária veio pra melhor. Agora tem outras que vieram pra pior, é horrível, não tem uma rima, não tem nada e o cara começa a cantar sozinho e não sabe nem tocar violão.
CF - Quem, por exemplo?
Léo Canhoto - Não lembro o nome porque ouço pouco. Tem uma dupla, Fernando & Sorocaba, acho muito boa. Diferente.
Robertinho - Acho Victor & Léo ótimos. O povo não é bobo, quando o cara não agrada é porque não é bom.
CF - Luan Santana, que tem o show mais caro do País atualmente, é bom?
Robertinho - Acho legal. Jorge & Mateus também.
Léo Canhoto - O Luan canta bonito, afinado. Começou agora e deu sorte, estourou de cara. Léo Canhoto e Robertinho também estouraram rápido.
Robertinho - Só que com uma diferença: na nossa época não tinha esse negócio de jabá (exposição na mídia em troca de dinheiro), o cara gastar milhões para estourar um disco, que é o que acontece hoje.
CF - Mas hoje, com a internet mais acessível e as músicas disponíveis para baixar gratuitamente, "rola" jabá ainda?
Robertinho - Agora que tem. Tem que pagar e alto.
Léo Canhoto - Tem rádio que não toca um disco se você não levar R$ 30 mil, R$ 40 mil por mês. Tem programa de televisão que cobra R$ 100 mil.
CF - Mas vocês acham que está mais fácil para o pessoal conseguir estourar e obter sucesso sem muito talento?
Léo Canhoto -Tendo dinheiro. Pega dois garotos novos, igual eu e o Robertinho éramos, bonitos (risos).
Robertinho - E somos até hoje, ué.
Léo Canhoto - Hoje nós somos lindos. Há 40 anos, viemos da roça e éramos bonitos (risos). A gente ia cantar em circo, nas cidades pequenas e os estudantes cabulavam as aulas à noite e ia para o circo, até o professor ia. Era uma dupla diferente, até as roupas a gente mandava fazer em alfaiate, não comprava em lojas. Mandava fazer bota de pelica, de cromo alemão, que custava um caminhão cheio de dinheiro.
Robertinho - Fomos também a primeira dupla a ganhar disco de ouro na música sertaneja.
CF - Alguns críticos afirmam que a música deixou de ser sertaneja em virtude dessas mudanças, principalmente a partir de vocês...
Léo Canhoto - Veja bem. Se ela é música sertaneja ou não, é cantada por duas vozes, num dueto que vem a ser música sertaneja, é uma dupla que está cantando. Agora eu não sei quem foi o cretino (risos) que a primeira vista colocou o nome de música universitária. Só por que os universitários vão lá assistir?
Robertinho - O Tião Carreiro criou um estilo chamado pagode de viola e o universitário não criou nada, nenhum ritmo. É universitário, mas cantando músicas do Trio Parada Dura e de duplas antigas, como a nossa. Então, tem que fazer alguma coisa para falar que é.
CF - Como vocês fizeram?
Léo Canhoto - Quando nós mudamos, teve muito radialista que "meteu o pau na gente". Nós deixamos o cabelo comprido, não tinha violeiro com esse cabelo. Naquela época era só programas de rádio, não tinha televisão. Quando fomos ao Silvio Santos, nossa... Eles não levavam as duplas na tevê. Fomos várias vezes ao Chacrinha...
Robertinho - Quando formamos a dupla, a música sertaneja era discriminada, tinha o Pedro Bento e Zé da Estrada... o povo tinha vergonha de ouvir e falar que gostava, principalmente quem morava na roça. Depois da gente isso mudou.
CF - Na época, havia rivalidade entre a Jovem Guarda e a música sertaneja?
Léo Canhoto - Não. Teve agora a pouco tempo: o Lulu Santos criticou Chitãozinho & Xororó, Zezé Di Camargo & Luciano e outros mais por causa dos cachês...
CF - Mas a inovação que vocês fizeram não foi para fazer um contraponto com a Jovem Guarda ou para reagir ao movimento?
Léo Canhoto - É... a gente era fã da Jovem Guarda e da autêntica música de raiz. "Aí nóis vamu, nóis fumu pra casa"... (cantando), era gostoso demais.
CF - Nesses 40 anos, a dupla separou algumas vezes...
Robertinho - Nós ficamos um tempo separados. Precisamos parar para gastar o dinheiro.
Léo Canhoto - Aí gastamos tudo, acabou e tivemos que voltar (risos).
Robertinho - Ficamos separados durante 10 anos (de 1980 a 1990).
Léo Canhoto - Depois mais um pouco (risos). A gente sismava e separava, aí o Robertinho ia lá pro sertão pescar e eu ficava em São Paulo.
CF - Quando vocês retomaram a dupla?
Léo Canhoto - Há três anos. Mas mesmo separados a gente fazia um showzinho aqui e lá. A gente não brigava como a dupla Jacó & Jacozinho...
CF - E vocês estão fazendo muitos shows? Como está a rotina da dupla?
Léo Canhoto - O Robertinho fica mais na fazenda criando porco-espinho, cascavel...
Robertinho - A previsão para o ano que vem é fazer 10 shows no ano.
CF - Por que só 10 shows durante todo o ano?
Robertinho - Serão shows bem produzidos e não precisa mais. Vamos começar no Dia Internacional da Mulher (8 de março), em Catalão (GO) e Sete Lagoas (MG). Temos feito bastante shows, temos uma equipe de 19 pessoas com bailarinos, banda.
CF- Pretendem lançar outro disco em 2011?
Robertinho - Vamos lançar sim.
Léo Canhoto - Tá difícil. Pirataria e corrupção neste país é uma vergonha. A pirataria jogou gravadoras na falência. Tem compositor passando necessidade porque não recebe um tostão de direitos autorais.
Relembre um dos sucessos da dupla, a canção "O último julgamento":
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