“Só existimos nas relações
com nossos semelhantes.
Quando não encontramos
ressonância caímos no vazio”.
Cláudio Rossi,
psicanalista da SBPSP.
Há uma pergunta que se faz, frequente, ao escritor - por que você escreve? A grande maioria diz que não conseguiria fazer outra coisa, que não viveria sem escrever. Obsessões esfinges contidas na história de cada escritor.
Não sei se um dia farei ficção. Não sei se já não faço ficção com o que escrevo. Será que não se aprende a fazer ficção com a vida da gente, desde sempre? Não fazemos ficção quando sonhamos - crianças ainda -em ser pintor, bombeiro, professor, quando fotografamos, quando nos assumimos médicos, jornalistas, dentistas, bailarinas, pedreiros, advogados? Inventamos histórias sobre nós mesmos, sobre os outros, quase todos os dias. Gostamos de ouvir histórias, inventadas ou não. Há uma parcela (talvez menor) de pessoas que gostam de ler histórias e se reconhecem nelas, se enriquecem com elas e também se perdem nelas.
Conheci D. Gelda e pensei que nem preciso inventar histórias, se elas acontecem misteriosa e docemente, e são, incrivelmente, encantadoras.
D. Gelda tem 87 anos e foi assistir “As Pontes de Madison”, no evento “Cinema & Psicanálise”, no dia 27 de novembro. Foi me levar um presente, ela que me lê aqui, no Nossas Letras, com uma lupa que carrega, penduradinha no peito, embrulhada em um pano, como um grande patuá.
Uma bela figura magrinha e baixinha, em calças claras, uma bata amarelo-ovo, com florezinhas bordadas, cabelos aparados curtinhos, algodoados e bem assentados, no seu rosto a brilhar um sorriso que não se apaga.
D. Gelda morou na Capital e costumava viajar em companhia de outras amigas da mesma idade. Numa destas viagens foi ao condado de Madison, Iowa, EUA, e trouxe um quadro com as pontes cobertas, e a foto de uma delas lembra a Ponte Roseman, onde Francesca e Robert se conheceram e se apaixonaram (personagens do livro e do filme As Pontes de Madison).
Ela me presenteou com o quadro que plastificou, carinhosamente, e me revelou que as pontes cobertas são muito visitadas. Jovens casais costumavam se beijar, escondidinhos, debaixo das pontes cobertas (quando isto era proibido, pelos costumes, tempos atrás), e crianças ali brincavam. Com a chegada dos automóveis e novos valores culturais...
D. Gelda se tornou um bom motivo para continuar escrevendo. Saber que está decifrando minhas palavras, agora, com a lupa-patuá, me confere sentimento de compromisso e responsabilidade. Escrevo, hoje, para D. Gelda sorrir para ela mesma, ao ler que estou a escrever sobre a alegria que me dá ela agora existente - para mim. Eu, para ela, no milagre da escrita.
Ler e escrever são um Correio encantado de emoções, são Pontes cobertas para a íntima liberdade, esconderijos cúmplices dos apaixonados pela Palavra, não qualquer Palavra, mas aquela que re-inventa, continuamente, o Humano. Dona Gelda criou, comigo, uma ponte coberta, um meio mudo, silencioso, em que muitas vozes ressoam na imaginação de nós duas. Evoé!
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