Quase deuses, o filme, HOJE!


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Dra. Lenise Azoubel, psicanalista didata pela SBPRP e de SBPSP, vai comentar este filme feito para TV, de 2004, do diretor Joseph Sargent.

Trata-se de uma história real vivida por Vivien Thomas, negro e carpinteiro, no período pós-Depressão, em Baltimore, na década de 30, nos EUA. Ele vai trabalhar com um cirurgião, Dr Blalock, pesquisador no laboratório de um grande hospital. Os dois constroem uma parceria que redunda em uma conquista inédita na Medicina, a cirurgia nos “bebês azuis”, cianóticos por uma anomalia cardíaca.

Antes dessa parceria vitoriosa, o coração era intocável. Dr Blalock teve em Thomas um interlocutor e um prático habilidoso na instrumentação cirúrgica, e a parceria lhe rendeu reconhecimento no meio médico internacional, ao corrigir um erro de percurso em uma das veias do coração, que ocasionava problema de oxigenação no pulmão e falência do indivíduo.

Os dois, este é o ponto trágico da história, conseguiram descobrir estratégias que salvaram inúmeras vidas.

Thomas, no entanto, não tinha os mesmos direitos, por não ser médico, e oportunidades, já que negro e pobre, do dr Blalock, jovem cirurgião promissor. O sonho de Thomas era ser médico, mas a Depressão de 30, EUA, levou sua poupança. Dr Blalock, alheio e insensível ao drama enfrentado por Thomas, ratifica a discriminação social de Thomas. Colhe, sozinho, os méritos do trabalho feito a dois.

Um filme simples, uma história real, sem sentimentalismos, e, por isso mesmo, um grande filme. É de enorme estrago o racismo (alimentado pelo Ódio), assim como a Arrogância, sentimento de alta potência destrutiva, fazem.

Dr.Blalock, vaidoso e ambicioso, excluiu o parceiro publicamente, não reconhecendo o que ganhou na convivência cotidiana, com a curiosidade, habilidade e interesse de Thomas, que, pela posição desfavorável na sociedade, não pode denunciar esta enorme traição.

Um filme “Sessão da Tarde”! Deveriam existir muitos mais filmes assim na TV! Afinal, o racismo afeta não só quem sofre a discriminação, mas também o que passivamente a permite. Tão bom o filme que ganhou prêmios (v.ao lado).

Apesar do temperamento do Dr Blalock, das humilhações sofridas, do baixo salário, da classificação como faxineiro na instituição hospitalar, Thomas está envolvido com o trabalho de pesquisador, com entusiasmo, prazer, se sente digno.

Um diálogo significativo é na situação em que Thomas reconsidera sua atitude de ruptura com dr Blalock. Após o sucesso da cirurgia cardíaca, Thomas se desliga do hospital, e se afasta do cirurgião, ressentido com a falta de gratidão e do reconhecimento público da parceria.

Não conseguindo estudar para se tornar médico, “com o rabo no meio das pernas”, como confessou à mulher, Thomas procura Dr Blalock e se declara arrependido de ter saído do hospital e pede para voltar à posição antiga de auxiliar de laboratório.

Dr Blalock mantém a pose e questiona, altivo, se Thomas achava que algo, ou ele próprio, iria mudar. Thomas responde, elegante, que não estava interessado pessoalmente no Dr Blalock, mas no trabalho.

Esta é uma ponte possível para driblar os fundamentalismos sejam religiosos, ideológicos, racistas. Cada um deve descobrir onde mora o entusiasmo, a motivação, a dignidade, para fazer o que melhor pode fazer. Realizando o melhor para si, por extensão e diretamente, realizará o melhor para a comunidade.

Nem cor da pele, nem crença, nem ideal quebram a coluna vital de alguém assim centrado, conectado ao que movimenta sua alma, via principal para se tornar o que realmente é. O mérito advém, brilha ao sol, impagável.

O final da história de Thomas é exemplar. Que nosso fiel público não espere encontrar “quase deuses”. No filme, verão Miséria & Glória, polaridades que nos tornam “quase humanos”. Hoje, no Centro Médico, às 15 horas.


O DIRETOR

JOSEPH SARGENT

O diretor tem 85 anos. Começou a carreira como ator, participando em filmes para TV como Lassie, The invaders, e The Man from U.N.C.L.E.

Em 1969 ganhou um prêmio com o filme Os assassinatos de Marcus-Nelson, que gerou a série de TV de longa duração Kojak.

Dirigiu Tubarões, a vingança. E fez, depois, para a TV, a História de Karen Carpenter, O Crime e Castigo de Dostoievski e Sybil.

Foi indicado para muitos Emmy, ganhou quatro vezes. Em 2004 ganhou o Emmy, melhor filme para TV, por Something the Lord Made (Algo feito por Deus), em português Quase Deuses, produzido pela HBO.

Em 2006 novamente ganhou, desta vez por Warm Springs, estrelando Kenneth Branagh.

Atualmente está no American Film Institute, em Los Angeles, instituto fundado para formar novas gerações de cineastas nos EUA, tendo por objetivo criar um “ambiente de produção baseado em nutrir os talentos de contadores de histórias de amanhã.”

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