‘Pedofilia não tem cura’


| Tempo de leitura: 10 min
PALAVRA DE ESPECIALISTA - Referência nacional em psiquiatria forense, Guido Palomba, 61, afirma que a pedofilia é uma perturbação da saúde mental que já nasce com a pessoa: “É uma deformidade grave e incurável”
PALAVRA DE ESPECIALISTA - Referência nacional em psiquiatria forense, Guido Palomba, 61, afirma que a pedofilia é uma perturbação da saúde mental que já nasce com a pessoa: “É uma deformidade grave e incurável”

O médico Guido Palomba, 61, é uma das maiores autoridades em psiquiatria forense do País. São 36 anos de dedicação à ciência que estuda a mente de pessoas envolvidas em crimes. Após se formar em 1974, começou a trabalhar como estagiário no manicômio judiciário de São Paulo, onde atuou por 15 anos. Ao mesmo tempo, trabalhou como perito em varas de diversas Comarcas do Estado. Ao longo de sua carreira, redigiu mais de dez mil laudos, sendo alguns para a região de Franca. Todos, desde o primeiro, estão guardados em seu escritório na capital paulista. Em 2003, publicou seu livro de doutrina (Tratado de Psiquiatria Forense, Civil e Penal), o primeiro em língua portuguesa.


Referência nacional em psiquiatria, atua nos casos de maior repercussão do País. É requisitado tanto pela Justiça quanto pela imprensa. Entre outros casos, foi ouvido e deu seu parecer sobre a insanidade do criminoso “Champinha”, que estuprou e assassinou a estudante Liana Friedenbach há sete anos; na ocorrência envolvendo o casal Nardoni, condenado por matar a menina Isabella; e, mais recentemente, no caso do pedófilo Adimar de Jesus, assassino confesso de seis jovens de Luziânia (GO),encontrado morto há alguns dias em sua cela.


Há duas semanas, Guido Palomba concedeu entrevista ao Comércio para falar sobre pedofilia, um crime que assombra o País e, particularmente, Franca, onde um padre é acusado de abusar de menores, um professor foi denunciado pelo Ministério Público por abusar de duas alunas e um vendedor de sapatos chegou a ser preso pela Polícia Federal acusado de baixar cenas de sexo envolvendo menores da internet e, depois, compartilhar estes vídeos. O psiquiatra forense explica o que é pedofilia, revela como o autor age e afirma que este, dificilmente, pode ser identificado antes de atacar.


Na opinião de Guido Palomba, o pedófilo já nasce com o desvio mental e a deformidade não é necessariamente reflexo de vivência dolorosa do passado. “Não é fruto de maus-tratos quando criança ou, como geralmente se diz, resposta ao fato de que o sujeito foi vítima de assédio sexual”. O psiquiatra também conta que o pedófilo não é um criminoso comum e que o Estado não oferece tratamento adequado para as pessoas que apresentam este tipo de comportamento. Quem já cometeu o crime está sempre sujeito a voltar a atacar, alerta. “A pedofilia é uma perturbação da saúde mental. É grave e, eu diria mais, incurável”.

Comércio da Franca - É verdade que o senhor tem laços com Franca?
Guido Palomba -
Meus laços com Franca são de amizade com várias pessoas, até com amigos da época de estudante de medicina. Tenho um laço também por eu ter feito algumas perícias para a Comarca de Franca. Já não me lembro quais nem o período em que foram feitas, pois são mais de três décadas e meia de exercício da psiquiatria forense. Fazíamos as perícias em regime de mutirão. Íamos para as Comarcas e as cidades vizinhas mandavam os processos e os réus a serem examinados. Tenho mais de dez mil laudos redigidos, mas parei de contar em 2003, quando foi publicado nosso tratado de psiquiatria forense.
 

Comércio - A pedofilia é um assunto que tem ocupado os noticiários em todo o País e assombrado as pessoas. O que leva uma pessoa a cometer este tipo de abuso sexual?
Guido Palomba -
Vamos, primeiro, definir o que é pedofilia. É uma palavra que vem do grego. Paedós quer dizer criança. Filia é atração. Ela consiste na atividade sexual com criança, em geral, com menos de 13 anos. O pedófilo, como regra, é um adulto que revela preferência por determinada faixa etária. O pedófilo pode ter atração tanto por meninos quanto por meninas.
 

Comércio - Qual a faixa etária preferida pela maioria dos pedófilos?
Guido Palomba -
Depende muito do pedófilo. Não há como definir isso. Existem casos em que ele ataca até crianças com um, dois anos de idade. Ao contrário do que se imagina, um pedófilo não pratica apenas a conjunção carnal (tem relações sexuais). Ele também é dado a atos libidinosos de todos os tipos. Pedófilos chegam a desenvolver algumas técnicas sofisticadas para praticar atos lascivos contra suas vítimas.
 

Comércio - Que técnicas são estas?
Guido Palomba -
Eles cativam as mães, despistam professores, prometem presentes, acabam intimidando as vítimas. Enfim, usam de todas as maneiras para conseguir o que querem.
 

Comércio - Como o senhor definiria a pedofilia? Ela é uma doença?
Guido Palomba -
Vou ser rigoroso nos termos. Doença em psiquiatria tem uma outra conotação. A pedofilia seria uma perturbação da saúde mental. Por que uma perturbação mental? Porque as outras esferas mentais, como a inteligência, a memória e a percepção não estão alteradas. Portanto, a pedofilia é uma perturbação da saúde mental. Grave e, eu diria mais, incurável. É um desvio de caráter.
 

Comércio - O desenvolvimento desta perturbação está relacionado a abusos na infância. Isto quer dizer, a vítima de hoje será o agressor de amanhã?
Guido Palomba -
Não. O indivíduo nasce com essa deformidade. Ele nasce e desenvolve. Na minha maneira de entender, não é o fruto de uma vivência dolorosa do passado. Não é fruto de maus-tratos quando era criança ou, como eles sempre dizem, que foram vítimas de abuso sexual. Normalmente, falam isto como uma desculpa para a conduta deles, mas é uma deformidade do instinto sexual.
 

Comércio - Não tem cura?
Guido Palomba -
Não.
 

Comércio - Além da pedofilia, quais outras anormalidades sexuais preocupam a psiquiatria forense?
Guido Palomba -
Várias deformidades sexuais costumam aparecer, como o sadismo e o masoquismo. Também há casos muito graves. Eu diria que são doentes mentais completos, que são os estupradores de estátuas e os necrófilos (sexo com cadáveres). O bestialismo ou a zoofilia, que é a atração por animais, também acontece. Ainda podemos citar os estupros e as ocorrências de pessoas que vão a locais de grande concentração para ficar se esfregando nas pessoas.
 

Comércio - Qual é o perfil de um pedófilo? Por que é tão difícil identificá-lo na sociedade?
Guido Palomba -
Por não serem propriamente doentes mentais, eles dificilmente são reconhecido pelas pessoas. Eles parecem normais, agem como se o fossem, mas não o são.
 

Comércio - Se o pedófilo é um anônimo, que não chama a atenção, como a sociedade pode descobrir ou levantar suspeitas contra ele? Quais são as características que devem ser analisadas?
Guido Palomba -
Esta é a pergunta mais difícil de responder. Como eles são praticamente imperceptíveis, infelizmente, só são descobertos depois da prática do crime. Ainda tem outro agravante: todos os pedófilos, sem exceção, negam suas ações criminosas. Dificilmente um pedófilo assume a sua condição. Os crimes por eles praticados são muito difíceis de serem esclarecidos, só a perícia policial tem como conseguir isso. Ela não se baseia tão somente na palavra falada. Existem algumas características que o psiquiatra forense vai buscar. Muitas vezes ele consegue achar.
 

Comércio - Como os pais ou responsáveis conseguem identificar que o filho está sendo vítima de abuso sexual?
Guido Palomba -
É preciso ficar atendo para algum comportamento anormal, para alguma resposta esquiva do filho em tratar de determinados assuntos. Por exemplo, se o filho menciona alguns medos e fobias é porque algo errado está acontecendo. Sempre digo o seguinte: quando os pais são próximos dos filhos sempre vão notar alguma coisa diferente com rapidez, seja no comportamento, seja na irritabilidade ou nas perguntas que fazem. Agora, pais ausentes ou distantes vão ter mais dificuldade.
 

Comércio - O pedófilo, normalmente, é um indivíduo próximo da vítima, uma pessoa que goza da confiança do familiar...
Guido Palomba -
O maior número de pedofilia está dentro da família, infelizmente. Um fato que está extremamente relacionado com a pedofilia é o alcoolismo. Drogas também, mas o alcoolismo é a maior incidência. Não se excluem as madrastas, os padrastos, tios, tutores e responsáveis. Mas, via de regra, em quase todos os casos de pedofilia dentro da família, o alcoolismo está sempre presente.
 

Comércio - Em Franca, um padre está sendo investigado pela polícia sob a acusação de ter abusado de crianças. Como o senhor avalia um caso como este envolvendo uma pessoa acima de qualquer suspeita?
Guido Palomba -
É muito grave. Como já disse, a pedofilia, como outras deformidades sexuais, fica praticamente circunscrita ao funcionamento do instinto sexual. Então, a pessoa pode passar sem ser notada pelos outras e gozar de confiança. Não recai suspeitas sobre os pedófilos. Exatamente por serem pessoas de confiança, acabam praticando este ato, que é um impulso sexual anormal, que muitas vezes não conseguem frear. São muitas vezes pessoas tidas como ilibadas que praticam atos desta natureza.
 

Comércio - O pedófilo é um criminoso comum?
Guido Palomba -
É preciso analisar caso a caso. Se a pessoa pratica o crime sabendo que está praticando e poderia evitar se o quisesse, é um criminoso comum. Agora, se esta pessoa não entende direito o que faz ou se entende mas é tomada por impulso irresistível, incontrolável, que não consegue frear, então, ela tem que ser vista como um perturbado mental e com as suas consequências legais.
 

Comércio - Qual seria a punição mais adequada para um pedófilo. A cadeia ou a internação?
Guido Palomba -
No caso de criminoso comum, é cadeia. Por outro lado, se ele é capaz de entender, mas não tem a capacidade de frear o impulso, caberia a adoção de medidas de segurança, mas como ele tem periculosidade social, ou seja, se for deixado em liberdade pode voltar a cometer delitos da mesma natureza, então, ele teria de ficar longe da sociedade em um hospital-cadeia. Na verdade, o único local adequado a ele é a Casa de Custódia e Tratamento de Taubaté.
 

Comércio - Acredito que o grande problema é diferenciar o criminoso comum do perturbado mental, até porque os laudos emitidos nem sempre são confiáveis...
Guido Palomba -
Aí está a grande complicação. Infelizmente, dos anos 1990 para cá, praticamente não há mais centros formadores de peritos em psiquiatria forense. Há uma grande improvisação. Às vezes são ilustres clínicos, mas entre um ilustre clínico e um perito, existe um abismo intransponível. Da mesma forma que existe, por exemplo, entre um cardiologista clínico e um cardiologista cirurgião. São duas especialidades absolutamente diferentes. Então, se um pedófilo for examinado por perito sem formação pericial, pode resultar um laudo catastrófico, ou seja, recomendando cadeia para quem precisa de um manicômio judiciário ou vice-versa.
 

Comércio - O senhor é favorável à castração química para pedófilos?
Guido Palomba -
Eu, particularmente, me coloco contrário. A castração química não funciona. A pedofilia não está no órgão sexual, está na cabeça do indivíduo. A castração funciona única e exclusivamente como um remédio causador de impotência. Acontece que a deformidade não é no órgão sexual. É preciso dizer que há muitos pedófilos impotentes. Eles praticam seus atos libidinosos com as mãos, com a boca ou objetos, sem atingir o orgasmo. Já são castrados na sua virilidade e continuam sendo pedófilos. A castração não age no intelecto, nos valores éticos e morais. Aí é que mora a pedofilia.
 

Comércio - Qual é o risco que o pedófilo representa para a sociedade?
Guido Palomba -
É um risco grande. Como é uma deformidade do caráter do indivíduo, ele volta a atacar. A partir do momento em que começa a agir, praticamente é irreversível. Praticará o crime a vida toda.
 

Comércio - Qual tipo de tratamento o Estado oferece para um pedófilo?
Guido Palomba -
Eu diria que esta parte de tratamento psiquiátrico pelo Estado, depois da aprovação da lei antimanicomial, o Brasil ficou carente de tratamento. Hoje, a carência é muito grande. O que é oferecido é insuficiente em quantidade e qualidade.
 

Comércio - Seria possível estimar um percentual de pedófilos por habitantes? Há estudos a respeito?
Guido Palomba -
Não conheço nada confiável neste sentido. Sou um pouco cético em relação às estatísticas.

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários