‘A crise vem para sacudir a poeira’


| Tempo de leitura: 10 min
VISÃO DE FUTURO - Guilherme Martori, responsável pelo marketing da Carolina Martori, fábrica francana de calçados femininos. Sua família tem objetivo de, a médio prazo, expandir a marca pelo país
VISÃO DE FUTURO - Guilherme Martori, responsável pelo marketing da Carolina Martori, fábrica francana de calçados femininos. Sua família tem objetivo de, a médio prazo, expandir a marca pelo país
<p>Aos 25 anos, Guilherme Bérgamo Martori faz parte de uma família francana inteiramente dedicada à fabricação de calçados. A história seria apenas mais uma entre as centenas existentes na cidade se não fosse por um detalhe: ao contrário da maioria dos industriais, os Martori fazem, há mais de 20 anos, calçados femininos.</p> <p><br />Tudo começou com sapatos populares, cujo custo de produção não passava de R$ 12 o par. Em 2001, Hélio Marco Martori - pai de Guilherme - decidiu dar uma guinada no destino dos negócios. Vendeu tudo o que tinham para investir em maquinário e funcionários capacitados e passou a fazer calçados de alto valor agregado. Nascia a marca Carolina Martori.</p> <p><br />O nome foi emprestado pela irmã de Guilherme, que passou a comandar a área de criação e desenvolvimento de produtos da empresa. O pai se manteve na direção geral e a mãe - Nilsa Aparecida Bérgamo Martori - assumiu o departamento financeiro.</p> <p><br />A Guilherme coube criar estratégias de marketing com novas idéias para aumentar as vendas e solidificar a marca. Para fazer jus ao cargo, o jovem empresário se formou em turismo na Unifran e fez MBA (Master in Business Administration) na USP. Mas não foi só. "Já trabalhei em todas as áreas da fábrica e posso dizer com tranquilidade que há poucas máquinas aqui que não sou capaz de operar", afirmou orgulhoso.</p> <p><br />E ele não é mesmo um calçadista comum. É elétrico. Por ser muito jovem, cumpre com suas tarefas profissionais - trabalha diariamente das 7 às 19 horas - e ainda arranja tempo para namorar, jogar bola, fazer natação e viajar nos fins de semana e feriados.</p> <p><br />Hoje, a Carolina Martori tem clientes relevantes no cenário nacional, como a Oskley e a Daslu. A empresa tem seu foco voltado para a qualidade e não em negociar grandes quantidades. Tanto que conta com apenas uma loja e a produção é dividida em duas fábricas. Ao todo, 80 funcionários trabalham na produção diária de 300 pares de calçados - volume mantido desde o início. "O crescimento da empresa nesses oito anos está na qualidade e no valor de seus produtos", destacou Guilherme.</p> <p><strong>Comércio - Como nasceu a Carolina Martori?<br />Guilherme -</strong> Meu pai conta que tudo aconteceu em 2000. Até então ele fazia um calçado popular, mais barato. Um dia ele foi aconselhado por um amigo a fazer calçados mais elaborados. E  isso mexeu com ele. Quando chegou em casa, reuniu a família e disse que planejava passar a produzir sapatos de maior valor agregado. Mas nós não tínhamos equipamentos para isso. Então, ele vendeu tudo o que tinha para investir na empresa. Levamos mais de um ano para acertar a produção e conquistar os primeiros clientes. </p> <p><strong>Comércio - Como foi a escolha da marca?<br />Guilherme -</strong> Como eu disse a marca antiga tinha perfil popular. Então, fizemos um levantamento de cerca de dois meses com sugestões de nomes. Chegamos até a fazer uma votação, mas a idéia que ficou foi a de um amigo do meu pai que mora em Manaus. Foi dele a sugestão para que usássemos o nome de Carolina, minha irmã. Pensamos por um bom tempo porque sabemos que é uma grande responsabilidade e isso acabou dobrando nosso esforço para fazer um produto de qualidade. Se a gente fizesse uma coisa mal feita, o resto da vida ela seria lembrada por isso. </p> <p><strong>Comércio - Desde que a marca foi criada qual foi o crescimento?<br />Guilherme -</strong> Quando a gente começou grande parte da produção mais pesada - corte e pesponto - era terceirizada. Agora, para fazer um produto de qualidade, a gente sentiu necessidade de ter todo o processo debaixo de nossas vistas. Aí, fomos trazendo tudo o que tinha de terceirizados para dentro da fábrica. Hoje, desde encapar um botão até a embalagem, é feito aqui. Só o solado que não. Com isso, sentimos um aumento de mão de obra, que mais que duplicou. O faturamento cresceu, lógico (risos). </p> <p><strong>Comércio - Depois da mudança, houve crescimento na produção de pares?<br />Guilherme -</strong> A quantidade de pares se mantém a mesma. Isso nós adotamos como política da empresa para que a produção não saia da nossa mão. Quanto mais sapatos você faz, mais pessoas você tem de colocar para supervisionar, para ser os seus olhos, porque você não consegue estar em todos os lugares ao mesmo tempo. Por outro lado, 300 pares é uma quantidade que nós quatro conseguimos dar assessoria para ver tudo que está saindo. </p> <p><strong>Comércio - É curioso vocês terem trazido a produção para dentro da fábrica porque é o caminho inverso do que a maioria dos calçadistas tem percorrido...<br />Guilherme -</strong> No futuro a gente até pode procurar parceiros para fazer nossos modelos mais simples como rasteirinhas, mas, por enquanto, queremos tudo aqui. E é política de empresa. A gente não tem a ambição de virar aquela "coisa mundial", sabe? Porque quanto mais você entra no calçado, mais escravo dele você fica. A gente pensa muito em qualidade de vida também. </p> <p><strong>Comércio da Franca - Todo mundo tem falado muito sobre crise. A última data importante para vocês - em se tratando de vendas - foi o Dia das Mães. Como foi?<br />Guilherme Bérgamo Martori -</strong> Foi "um tantinho melhor" que o ano passado. Eu acredito que a crise vem para sacudir a poeira. Às vezes você está muito acomodado, tranquilo. Quando vem a crise, se você não levantar e correr atrás terá prejuízo. Mas a fábrica sentiu muito pouco a crise porque trabalhamos com redes muito fortes de franquias, clientes muito bons que também têm um trabalho muito forte de divulgação, e a nossa loja aqui não sentiu nada. Acontece que muita gente vem para Franca e traz as famílias, os amigos e compra sapato. A pessoa, às vezes de fora, quer comprar sapato nosso e tem atendimento diferenciado, especial. A gente atende pessoalmente. Trabalho mídias diretas com os clientes, não gosto muito de outdoors, por exemplo. As semanas que passaram depois do Dia das Mães também estão sendo muito boas. Acho que as mães que esperaram o presente e não ganharam um sapato vieram todas esta semana buscar (risos). </p> <p><strong>Comércio - A mulher compra mais que homem mesmo?<br />Guilherme -</strong> Compra muito. Época de promoções elas levam sete, oito pares de sapatos. Eu como homem compro três pares de sapatos por ano: dois tênis e um mais social. Fora que os do ano passado ficam para ir para a roça e os novos ficam para trabalhar e passear. A mulher é muito emotiva. Ela se apaixona pelo sapato e tem de comprar. E comprar na hora. E ela é tão emotiva que, se sai da loja sem levar, dá a volta no quarteirão, muda de idéia e vem buscar. Outras chegam em casa e já ligam pedindo para guardar, pois se arrependeram (de não comprar) e vêm buscar no dia seguinte. </p> <p><strong>Comércio - E a marca tem clientes especiais, fidelizados?<br />Guilherme -</strong> Tenho clientes que vêm pelo menos três vezes por mês e levam dois, três pares de sapatos cada vez que vêm. E nós sabemos que têm no mínimo uns 80, 90 pares de Carolina Martori. Eu tenho uma cliente que hoje mora no Rio de Janeiro. Quando ela gosta de um sapato, como ela tem casa em São Paulo e em Franca, leva dois do mesmo modelo, da mesma cor. Para deixar um em cada lugar. </p> <p><strong>Comércio - Você não estranha estar tão envolvido nesse universo feminino, que é tão peculiar?<br />Guilherme -</strong> Nasci e fui criado aqui dentro. Estudando meio período e trabalhando meio período. Já me acostumei. Mas essa paixão das mulheres por sapatos não é uma coisa de entender não. O que a compra de um sapato provoca em uma mulher, de euforia e alegria é inexplicável. Não é de hoje e acho que não vai acabar nunca.</p> <p><strong>Comércio - Quais são as principais diferenças na produção de calçados femininos e masculinos?<br />Guilherme -</strong> Muitas máquinas são as mesmas ou adaptações, 85% delas, só que fazer um sapato feminino bem feito exige delicadeza. Você depende da equipe. A mulher é mais exigente. Sem contar que com saltos altos a gente tem que ter certeza de que o sapato é seguro, não vai machucar ninguém. </p> <p><strong>Comércio - Como marqueteiro o que você leva em conta quando decide fazer uma campanha?<br />Guilherme -</strong> A gente tem que pensar na data, no seu público e decidir o que vai mostrar. Por exemplo, no Dia das Mães, eu sei que meu cliente está entre os 28 e 60 anos, então, quando vou fazer uma propaganda tenho que pensar em agradar todo mundo. Aí, ponho um mais baixinho e um alto, mais moderno. E sempre tento fazer alguma coisa o mais pessoal possível. </p> <p><strong>Comércio - E a concorrência?<br />Guilherme -</strong> Franca tem muito fabricante de sapato. O pessoal está abrindo loja de fábrica. Há mais de um ano fiz uma pesquisa e havia mais de 20 lojas de sapatos femininos em Franca. De fábrica, 7 ou 8. Só que a gente vê também os produtos dos concorrentes, mas sem me gabar, o nosso é um dos mais bonitos e bem feitos da cidade. A gente sabe que a concorrência vai procurar melhorar o produto constantemente e vai melhorar uma hora. É onde entra esse trabalho de marketing e divulgação. Quando essa concorrência chegar nosso nome já tem que estar na cabeça de todo mundo. A marca pesa. </p> <p><strong>Comércio - E o preço?<br />Guilherme -</strong> Para o produto, é um preço muito justo. Só usamos materiais de primeira qualidade. A pessoa está comprando na fábrica em Franca e pagando bem mais em conta do que em outros lugares. O sapato fora é realmente vendido bem mais caro. Tem lojista que consegue botar até R$ 100 a mais. Sem contar que a gente paga transportadora, comissão de vendedor e mais uma porção de coisas. Aqui não. </p> <p><strong>Comércio - O que você imagina então para os próximos 10 anos?<br />Guilherme -</strong> Para esse ano estamos discutindo muito forte a abertura de uma loja fora de Franca. Estive recentemente em São Paulo para um curso na ABF (Associação Brasileira de Franchising) para aprender um pouco sobre isso, para no futuro criar uma segunda loja e esta segunda loja já ser espelho para uma franquia. Vi que é uma responsabilidade muito grande. É um negócio muito sério. Então nós vamos fazer mais ou menos um laboratório nessa loja fora este ano. Vamos trabalhar com ela seis meses, um ano. Não vamos sair de um raio de 200 quilômetros de Franca. Será em Ribeirão Preto, São Carlos. Eu acredito muito num crescimento chamado "crescimento caracol": você é dono do seu bairro, aí você começa a mandar na sua cidade e assim vai... Para ir para São Paulo eu precisaria de um capital muito grande. Lá a coisa é muito canibal, o pessoal engole mesmo. Vamos procurar ajuda profissional para saber para onde ir. Mas a fábrica é nosso ganha pão e não podemos descuidar dela. Ao mesmo tempo a loja é um futuro negócio no qual a gente precisa investir. Então se a gente precisar amanhecer lá, a gente ainda assim tem de estar aqui no dia seguinte. Por isso não pode ser longe.</p>

Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.

Comentários

Comentários