Kathleen Martins não sai de casa sem maquiagem, está sempre perfumada e de unhas feitas. Com longos cabelos loiros (80 centímetros), 1m72 de altura, geralmente aumentado com salto 15, e 65 quilos mantidos com “alimentação bem light e abdominais”, não passa sem chamar atenção pelas ruas e locais em que entra. Como muitas “mulheres”, não revela a idade de forma alguma. Kathleen gosta de calças jeans justas e microssaias. O visual é sempre complementado com muitas jóias. No dia da entrevista, a “boneca”, como prefere ser chamada, usava sete anéis, seis pulseiras, um colar com pingente de coração e um relógio com strass. “Sou mulher. Com peitos, quadril e piu-piu”, disse. Kathleen representa o universo das 30 travestis de Franca, que têm entre 18 e 40 anos.
Elas trabalham como profissionais do sexo e costumam “fazer programas” em pontos do Jardim Guanabara, Estação, Cidade Nova e Avenida Presidente Vargas. As travestis se prostituem por gostarem desse trabalho, por não conseguirem outro emprego ou para ganhar dinheiro fácil - trabalham em média cinco horas por noite e ganham de R$ 2 mil a R$ 2400 por mês. Na hora do sexo, podem assumir o papel do homem e/ou da mulher, mas na maioria dos programas são ativas (penetram).
Para se sentirem realizadas e atraírem clientes, são obrigadas a lutar contra a natureza e se transformarem. O corpo masculino com o qual vieram ao mundo, com muitos pêlos, sem curvas e voz grossa, tem de dar lugar a pernas lisas e torneadas, bumbum empinado, sobrancelhas finas e cabelos longos.
As travestis são extremamente vaidosas e dizem gastar bastante para manter o visual “sempre atraente”. Cremes para cabelo e pele, horas no cabeleireiro e manicure fazem parte da rotina delas. Um dos passos depois de passarem a usar roupas femininas e maquiagem é consumir hormônios femininos (anticoncepcionais), que provocam a perda de pêlos da barba, pernas e peito (elas garantem que não precisam se depilar!), aumentam o volume nos peitos e afinam a voz.
Alguns procedimentos da transformação são arriscados. Para deixar pernas, seios e bumbum mais torneados recorrem ao silicone industrial. As chamadas “bombadeiras” fazem a aplicação, mas o material pode causar complicações e até matar. “O silicone que usam apresenta muitos riscos, mas elas querem ter corpo de mulher e esse desejo fala mais alto. Como não têm dinheiro para colocar próteses, enfrentam as ‘bombadeiras’”, explicou o psicólogo João Doná, coordenador do Grupo Fênix, que trabalha com travestis em Franca.
Kathleen, a “boneca”, percebeu que gostava de meninos ainda na infância, mas foi aos 14 anos que começou a se travestir. Colocou silicone e fez lifting no bumbum em São Paulo por R$ 2.300, pagos em duas vezes. Durante quatro anos, consumiu hormônios. “Agora meu corpo já está alinhado, por isso parei de tomar”. O aplique colocado nos cabelos bate no umbigo e agora está loiro. “Era um sonho meu ficar loira”.
VIDA NAS RUAS
Foi na capital que Kathleen conheceu a vida de profissionais do sexo. Ela gostou e hoje, além de massagista, ganha a vida assim, “fazendo ponto” no Jardim Guanabara. “Para mim, é um trabalho. Tenho compromisso de segunda a sexta-feira e deixo os fins de semana para curtir”. Garante que está feliz. “Fico feliz por me procurarem. Clientes de outras cidades viajam para cá para ficarem comigo. Minha auto-estima fica sempre alta, porque eles me elogiam, me acham linda e gostosa”. Prefere não revelar quanto ganha. “Não falo por questão de segurança”.
Hoje, Kathleen está sozinha, mas já foi casada por quatro anos com um homem. O relacionamento terminou em 2005. “Foi um período ótimo da minha vida. Fui muito amada”. No casamento, assumia a posição de mulher, “sempre”. “Sou mulher. Não é do meu perfil penetrar”. No trabalho, mantém o mesmo papel.
Já as travestis Rhana Faleiros, 26, e Dafny Souza, 21, assumem os dois papéis. Depende do que o cliente deseja. O preço do programa muda de acordo com a escolha. “R$ 30 é o preço do programa básico com sexo oral e transa rápida. Neste caso, a duração é de 30 minutos. Se o cliente quiser sexo oral e que eu seja ativa e passiva, sobe para R$ 50”, explica Rhana.
Ela, que também é decoradora, trabalha como profissional do sexo há dez anos. De Passos (MG), mora em Franca com mais seis travestis e homossexuais num sobrado espaçoso alugado no Bairro Estação. Diz ter prazer em se prostituir. “Gosto porque ganho dinheiro fácil e saio com pessoas diferentes e bonitas sempre”.
Rhana já saiu com seis clientes numa mesma noite. A média é de quatro por turno, o que resulta em uma renda de R$ 2.400 por mês.
“Com o que ganho viajo para Angra dos Reis, São Paulo, compro roupas de grife e estou sempre bonita, com cabelo arrumado”, disse ela, que pretende continuar no ramo até quando o corpo permitir. “Acho que até uns 40 (anos)”, disse ela, que é extrovertida e vaidosa. Quando soube que seria fotografada para o jornal quis trocar de roupa. Tirou o pretinho básico para colocar uma blusa verde-limão.
Travesti desde os 17 anos, Dafny, que mora com Rhana, faz programas há cinco meses. “Faço para ganhar dinheiro fácil. Em poucas horas, tiro R$ 100. Posso viver com conforto e ajudar minha mãe”. Ela namora um homem de 33 anos, que já foi casado duas vezes e tem uma filha pequena. “Ele aceita meu trabalho. Mas meia-noite tenho de estar liberada e, ao encontrá-lo, não posso falar nada dos clientes”.
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QUEM PROCURA
Homens casados e adolescentes. Esses são os principais clientes das travestis. Casais também as procuram para realizar fantasias, mas nem todas aceitam dividir o quarto com “outra” mulher.
Empresários conhecidos também estão na lista. “Os casados nos procuram porque estão carentes no casamento e querem algo diferente no sexo. Com a gente, estão com um corpo de mulher e vivem coisas diferentes na cama”, disse Rhana. Já Kathleen tem uma justificativa “bem modesta” para homens comprometidos contratarem seus serviços. “Querem a gente porque fazemos mais gostoso e diferente. Mulher por mulher, eles ficam com a que têm em casa. Somos mulher também”.
O psicólogo João Doná disse que muitos homens têm desejo de serem penetrados e o fato de estarem com alguém visualmente vestido de mulher desinibe. “Como as travestis se vestem de mulher, é mais fácil estar com uma travesti”. Fantasia é fantasia...
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