Reinventar a vida. Entrelaçar um ofício antigo, aparentemente hoje em extinção, com as facilidades da modernidade e tornar a subsistência viável. Levantar-se do chão, literalmente: o personagem real que o Comércio da Franca traz na edição de hoje é alguém que já foi alcoólatra, desses que caem inconscientes de bebedeira e que se ergueu e recuperou a auto-estima, com o auxílio de uma religião evangélica e de um trabalho.
Numa rotina de fretes, carretos e retirada de entulhos, o francano Devair Cirilo Vieira, de 37 anos, trabalha há 4 anos sobre uma carroça com jeito de carruagem, equipada com toldos, som, freio, e que vale hoje, depois de tanto, incremento, algo em torno de R$ 3 mil - quase um Fusca.
Sorridente, Devair, conhecido pelos amigos como “Cabeção”, trota com o cavalo pampa batizado de Gringo, segurando-lhe firmemente a rédea. Equipado de telefone celular e cartão de visitas, onde se vê a foto da carroça, cavalo e condutor e a mensagem: “Aqui trabalho feliz!”, Devair é um exemplo de como força de vontade aliada à criatividade podem se transformar numa fórmula de gratificação. “Eu bebia tanto que chegava a ter convulsão e ser internado no Hospital Allan Kardec. Pedia dinheiro na rua para sustentar o meu vício, atravessava as madrugadas na cachaçada”, lembra ele.
Com os estudos interrompidos na 4ª série, o carroceiro conta que trabalha desde os 8 anos de idade, e que já foi picolezeiro, apanhador de café, servente de pedreiro, jornaleiro. “Eu escrevo, leio e sei fazer contas muito bem”, acrescenta ele.
Noção de aritmética é o que certamente não falta a esse jovem senhor. Tirando uma média de R$ 40 por dia de trabalho em sua carroça, Devair consegue se manter e já adquiriu um terreno para a construção de casa própria, no Jardim Cambuí. A única despesa que tem com seu meio de transporte é com feno e ração. “Gasto com o Gringo uns R$ 80 por mês. De vez em quando tenho despesas com vacinas, porque, para entrar no Parque Fernando Costa, onde às vezes faço uns carretos, a exigência é a de que o animal seja vacinado, para não passar doenças para os outros cavalos. Outra coisa: eu não cato papelão para vender. É barato demais, R$ 0,06 o quilo, não compensa”, explica.
Solteiro, sem filhos, vive com a mãe e os irmãos, numa casa próxima ao Parque Fernando Costa. Seu ponto é justamente na avenida Integração, onde cumpre horário: trabalha das 7 da manhã às 16h30 durante os dias da semana; aos sábados, encerra o expediente ao meio-dia. “Aos domingos vou para a igreja, rezar. Sou evangélico, da Quadrangular”.
Embora afirme trabalhar feliz nesse meio de vida, Devair tem suas reivindicações. Reclama, por exemplo, a falta de locais mais próximos para despejar o entulho que transporta. “O único lugar em que é permitido jogar esse entulho é no Jardim Aeroporto. Longe demais para os carroceiros”, diz.
Segundo Devair, os carroceiros francanos - pelos seus cálculos, algo em torno de 800 profissionais - deveriam ser uma classe, por meio da formação de cooperativa, com benefícios e até subsídios públicos, por exemplo.
Devair acha que está “com a idade avançada” e quer começar a contribuir com o INSS. Sonha em construir sua casa, casar e ter filhos. Um dia vencer, progredir.
O celular de Devair é 9966-2627
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