<p>Recém-empossado bispo da Diocese de Franca, o frei franciscano Dom Caetano Ferrari, 64, natural de Pirajuí (SP), tem uma longa carreira na hierarquia da Igreja Católica. Foi padre em diversas cidades, professor, reitor de universidade, presidente da CFMB (Conferência dos Frades Menores do Brasil) e superior de uma província franciscana (região administrativa da ordem) que vai de Santa Catarina ao Espírito Santo. Agora, assumindo a chefia não só de monges ou professores, mas também sendo responsável pelo “pastoreio” de milhares de fiéis leigos, Dom Caetano promete levar a Igreja para perto da vida das pessoas. Em entrevista ao Comércio, Dom Caetano disse que quer que a Igreja seja mais atuante no campo social e que, ao contrário de seu antecessor Dom Diógenes Silva Matthes, o novo bispo sabe dizer “não”. Segundo ele, os grupos que não se integrarem nos projetos da Diocese sofrerão as conseqüências, mas acolherá com carinho a todos que quiserem trabalhar unidos pela evangelização e pela caridade aos excluídos.</p>
<p><br />Firme em muitas posições tradicionais, admite que a Igreja possa rever seu ponto de vista no que diz respeito a outros temas também polêmicos. Dom Caetano falou à reportagem sobre casamento de padres, camisinha, uniões homossexuais, aborto, seu primeiro Natal à frente da Diocese e sobre como pretende impedir que mais católicos deixem a Igreja para seguir denominações evangélicas. Segundo ele, para livrar os fiéis do que chamou de “empresas cujos objetivos muitas vezes são mais humanos que divinos” é necessário oferecer uma melhor formação aos católicos para que eles conheçam a própria fé e fortaleçam seu sentimento de pertença à Igreja.</p>
<p><strong>Comércio da Franca - Qual a maior dife-rença entre Dom Diógenes e Dom Caetano?<br />Dom Caetano Ferrari</strong> - Dom Diógenes tem uma característica: é um pai e uma mãe para o povo e para os padres. Tem extrema bondade e delicadeza no trato com as pessoas, e acaba tendo dificuldade de dizer um “não”. Já eu sou mais objetivo, mais racional. Procuro respeitar as pessoas, mas me deixo conduzir por um projeto, procuro animar todas as formar para cumprir as metas. Dom Diógenes é o homem do coração, do afeto, e eu sou o da objetividade, do planejamento. Isso não faz de mim alguém personalista, me considero democrático, busco traçar objetivos com a participação de todos, mas uma vez definido um projeto de trabalho eu exijo o envolvimento para sua concretização. Mas nós dois temos nossas semelhanças, a fé, o compromisso com a Igreja, com Deus, apesar de sermos de formações e gerações diferentes. Quanto à gestão da Diocese, pouco vai mudar, pois estamos na vigência de um plano aprovado pela Assembléia Diocesana em 2004 que vale até 2008 e pelo qual eu vou me pautar. </p>
<p><strong>Comércio - Em que consiste esse plano?<br />Dom Caetano</strong> - Participei trabalhando e rezando nesse projeto e por isso quero fazê-lo funcionar como um mapa orientador dessa caminhada. O nosso plano diocesano estabelece três prioridades. A primeira é a construção da unidade, comunhão e participação da nossa Igreja local (...), todos trabalhando juntos. O segundo ponto é recuperar a dimensão missionária da Igreja, levar o evangelho a cada canto das cidades. Como chegar às famílias numa sociedade tão urbana? Não se pode ficar apenas esperando que o povo venha à paróquia, a Igreja tem que ir até as pessoas. Por isso a pastoral da visitação. Vamos visitar as famílias, conhecer as pessoas, ir ao encontro delas onde estiverem, nas casas nas escolas, onde for. A terceira meta é que a Igreja seja servidora na caridade. Aí vêm todos os trabalhos sociais da Igreja, os trabalhos com os pobres, com os excluídos, sobretudo os pequenos. </p>
<p><strong>Comércio - O senhor disse que Dom Diógenes não sabia dizer “não”. Pressupõe-se então que o senhor saiba. Para quem o senhor deve dizer não em seu episcopado?<br />Dom Caetano</strong> - A quem resistir. Isso em tese, porque certamente não vai acontecer. Se houver resistência de alguma pessoa ou de algum grupo a esse plano aprovado, vou dizer não a eles. Então eu espero o envolvimento de todos nesse planejamento. Eu vou cobrar. Quero eficiência. Dou apoio a todos, mas quero colaboração. Quem resistir a isso já sabe que terá um não. </p>
<p><strong>Comércio - O senhor disse que o primeiro ponto do projeto diocesano é a unidade. Mas a Igreja em Franca tem participação ativa dos leigos, com suas diversas formas de expressão. Como querer que cada um dos grupos, cada um dos movimentos tão diversos atuem unidos em um único projeto?<br />Dom Caetano</strong> - Trabalhar pela comunhão não significa pretender uma uniformidade, mas sim uma unidade na diversidade. A Igreja tem seus diversos meios de se expressar e de trabalhar, então é preciso respeitar essas expressões, mas todos podem e devem trabalhar em vista de um projeto comum. Vamos respeitar a originalidade dos movimentos. São uma riqueza, um dom de Deus! Então o que eu vou esperar da Renovação Carismática, do Caminho Neocatecumenal, da Legião de Maria, do Encontro de Casais com Cristo e dos outros? Vou esperar que todos conheçam nosso planejamento e se empenhem para pô-lo em prática. Não podemos deixar que cada um tenha seu projeto próprio e queira ir cada um para um lado, pois cada movimento é parte de um corpo. Cristo é a cabeça e cada movimento, cada pessoa é um membro, um órgão. A eles (aos movimentos) eu também direi não se trouxerem tudo de fora e não se interessarem pela nossa realidade local. Todos as realidades eclesiais que têm a aprovação da Igreja (do Vaticano) serão bem acolhidas e respeitadas, mas desde que assumam trabalhar junto. </p>
<p><strong>Comércio - Recentemente o cardeal Dom Cláudio Hummes, prefeito da Congregação para o Clero, no Vaticano, declarou que a Igreja pode precisar de padres casados. O senhor concorda?<br />Dom Caetano -</strong> O que ele falou não foi bem isso. O que eu ouvi de Dom Cláudio é que a norma do celibato não é um dogma, não é uma verdade de fé que você tem que acreditar. O celibato é uma norma disciplinar. Uma norma de fé está cristalizada, não se pode discutir. Ou se aceita ou não se aceita. Agora, uma norma disciplinar, de acordo com os tempos você pode rever. Se, de repente, isso não for mais importante, você pode, sim, adotar alguma mudança. Mas isso não está na agenda dele (de Dom Cláudio) rever a questão do celibato. </p>
<p><strong>Comércio - E o senhor acha que seria bom para a Igreja rever essa norma de modo a aumentar o número de padres?<br />Dom Caetano</strong> - O celibato não é para todo mundo, tem gente que não tem esse dom. Então, diante das regras atuais, os seminários não podem aceitar quem não tenha esse desejo de se consagrar dessa maneira. Mas não é eliminando a exigência do celibato que se vai resolver a questão das vocações e aumentar o número de pessoas que queiram ser padres. É um engano achar que o celibato seja a causa do reduzido número de padres. O fim da exigência não vai resolver a questão, como se pode ver em Igrejas que aceitam o casamento de padres (Ortodoxa Grega, Copta, Melquita), onde esses problemas também existem. Pois, mais difíceis que o celibato são os outros compromissos: pobreza e obediência. Você pode até ser casto no corpo, mas não ser casto nas suas idéias, no seu ponto de vista, não querer aceitar o que a Igreja fala. Com um sujeito assim a Igreja não pode contar. Quando Jesus chamou seus apóstolos, eles deixaram tudo, suas redes, seus bens, sua família e suas idéias, sua visão de mundo. Só livre disso tudo é que se pode seguir a missão. É por amor, não por sacrifício que se faz os votos de pobreza, castidade e obediência. </p>
<p><strong>Comércio - Sobre a questão da proibição do uso de preservativo (camisinha), a Igreja pode colocar em discussão esse assunto e eventualmente rever sua posição?<br />Dom Caetano</strong> - Quanto a isso eu sigo a orientação da Igreja. Isso também não é um dogma de fé. Mas a camisinha, assim como a pílula, é um método artificial de se evitar filhos, ou é usado no sexo fora do casamento, ao qual a Igreja é contrária. Então somos contra. Agora, a Igreja já estuda a aceitação do uso de camisinha em situações muito específicas, como no caso de casais casados em que ou o homem ou a mulher seja portador do HIV. Contudo, ainda não existe uma decisão oficial a esse respeito. </p>
<p><strong>Comércio - Outro assunto sobre o qual a opinião da Igreja também é polêmica é o aborto. O que o senhor tem a dizer a respeito do recente caso de aborto de um bebê anencéfalo cuja gestação foi interrompida em Franca com amparo do Judiciário para poupar a família do sofrimento?<br />Dom Caetano</strong> - Também nesse assunto minha opinião é a defendida pela Igreja. Sou a favor da vida desde a sua concepção até seu fim natural. Não se justifica um aborto em hipótese alguma. Aliás, nós publicamos uma nota a respeito desse caso, manifestando nosso posicionamento: defender a vida sempre. Além do mais, as certezas da ciência são tão frágeis! Veja o segundo caso de anencefalia (a menina Marcela de Jesus, nascida no dia 20 de novembro em Patrocínio Paulista), a criança ainda está viva, enquanto diziam que viveria algumas horas ou no máximo dois dias. A mãe que teve essa criança (Marcela), apesar dos problemas, está muito feliz, muito contente com sua filha, porque aquela família tem Deus. O Dom Diógenes conhece a família, tem acompanhado o caso. Só quem não tem fé é que procura eliminar qualquer sofrimento, porque não vê sentido nas coisas. Para aquela primeira mulher (a que fez o aborto) a quem disseram que queriam evitar seu sofrimento, agora estão tendo que pagar psicólogo para não sofrer muito. Quer dizer, será que ela teria sofrido mais se tivesse tido a criança? Essa coisa de sofrimento é relativa. Há quem carregue cruzes muito pesadas, mas é exemplo de vida e perseverança.<br />Sem cérebro, sem perna, seja como for, é uma vida. Mas o homem quer agir como se fosse Deus, decidindo quem pode viver e quem não pode viver. Isso está errado! </p>
<p><strong>Comércio - E com relação às uniões homoafetivas/homossexuais e a adoção de crianças por casais desse tipo, o que o senhor tem a dizer? <br />Dom Caetano</strong> - Pois é. Isso aí também. É inadmissível esse tipo de coisa. Sei que existe essa realidade, mas é um absurdo aprovar esse tipo de matrimônio. Não tem como. São dois seres iguais, que não vão gerar vida e o casamento é em função da vida, para formar uma família. Temos que respeitar as pessoas que têm essa tendência, não podemos condená-las, mas a solução não está em aceitar isso como se fosse matrimônio. Não se pode aceitar que essas pessoas peguem uma criança para criar. Eu tenho pena das crianças. Não se pode aceitar. Temos uma posição muito clara. Não podemos aceitar isso pelo bem da humanidade. </p>
<p><strong>Comércio - As igrejas evangélicas têm conquistado muitos fiéis que eram católicos. Como enfrentar esse fenômeno?<br />Dom Caetano</strong> - Esse é um fenômeno geral, não está ocorrendo apenas em Franca. É um problema decorrente do mundo de hoje, em que valores fundamentais têm sido questionados ou rechaçados. Vamos enfrentar isso trabalhando na catequese e formação dos nossos batizados, que muitas vezes não conhecem a própria fé e acabam tendo um sentimento de pertença à Igreja muito frágil. Quem muda de religião não são aqueles que participam, que têm formação, esses são resistentes a esses ataques que chegam até pela TV na forma das mais sedutoras propostas. E muitos desse projetos religiosos são discutíveis, parecem mais humanos que divinos, são empresas que usam o nome de Deus mas têm outros interesses. Quem muda de igreja é quem está afastado . Portanto, nossa meta é oferecer aos nossos católicos condições de se posicionarem criticamente diante dessas ofertas, que tenham argumentos para se defender de certas bobagens. (...) Outro dia vi naquela revista do Comércio uma mulher falando que era católica, mas mudou de religião porque descobriu que no espiritismo ela podia fazer caridade. Ora! Se ela não viu na Igreja os diversos grupos, pastorais sociais e entidades que ajudam o próximo é porque ela era ignorante com relação à própria fé. Se ela tinha uma outra proposta, que a apresentasse. Outra disse que virou evangélica porque queria adorar só a Deus e não idolatrar imagem. Bobagem. Nós também nunca ensinamos a adorar santos nem imagens, só a Deus. Os Santos nós veneramos, são pessoas que estão no céu rezando por nós perto de Deus e cujas vidas nos servem de exemplo. Então falta compreensão, educação, cultura. Temos que cuidar, informar, reevangelizar nosso próprio rebanho. </p>
<p><strong>Comércio - Que mensagem o senhor deixaria para os fiéis neste Natal?<br />Dom Caetano</strong> - A minha mensagem é a partir de um pensamento franciscano. A encarnação do verbo de Deus foi uma decisão livre, por puro amor. Teria acontecido de qualquer forma mesmo se o ser humano não tivesse pecado e não houvesse necessidade da redenção. Jesus se fez humano por seu amor à humanidade. Por isso eu desejo um santo Natal cheio de amor. Espero que o Ano-Novo seja repleto de conquistas e progressos para todos, mas também de muitas bênçãos.</p>
Fale com o GCN/Sampi!
Tem alguma sugestão de pauta ou quer apontar uma correção?
Clique aqui e fale com nossos repórteres.