O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tem a sua primeira grande polêmica. A criação, por decreto, da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, subordinada à AGU (Advocacia-Geral da União). Segundo Jorge Messias, advogado-geral da União, o novo órgão terá a atribuição de combater a desinformação.
“Repudiamos a apologia à violência e ao autoritarismo. Não permitiremos que tais condutas sufoquem, intimidem ou abalem a atuação dos poderes da União”, disse Messias.
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A medida é criticada por entidades e pela oposição, que consideram a nova atribuição dada à AGU um risco que pode levar à censura.
Na cerimônia de posse, o advogado-geral da União disse que a nova Procuradoria deverá promover uma “pronta resposta a medidas de desinformação e atentados a eficácia das políticas públicas”.
Messias ressaltou que a criação do órgão vem da preocupação com tudo o que ocorreu nos últimos quatro anos. Ele conceituou a desinformação como uma “mentira voluntária que tem objetivo de minar as constituições e as políticas públicas” e garantiu que a AGU “não vai minar ou cercear a liberdade de expressão”.
REAÇÃO
A primeira reação ao novo dispositivo veio do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB), que entrou com uma representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão ingresse com ação junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e peça, liminarmente, que o principal tópico do decreto seja suspenso.
“A representação não visa acabar com a Procuradoria. O que nos preocupa é a competência que foi dada à AGU. Não pode se delegar competência do Ministério Público para a AGU através de um decreto. Esse é o primeiro erro”, disse o deputado a OVALE.
“O segundo é que o decreto define o que venha a ser desinformação. Hoje em dia há certo entendimento jurisprudencial sobre desinformação, não sei se seria necessário definir-se. Mas uma coisa é certa: se tiver que se definir tem que ser por lei, e nunca por decreto.”
Para Sampaio, corre-se o risco de permitir que a política, e não o campo jurídico, defina o que é desinformação. “Não tem cabimento que cada governante que entrar dizer por um decreto aquilo que para ele é desinformação. Tem que existir uma norma que diga aquilo que para o Brasil é desinformação, e aí pressupõe um processo legislativo, com aprovação na Câmara e no Senado”.
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O deputado federal também vê risco de o órgão ser utilizado de forma inadequada. “O presidente Lula poderia usar esse decreto, por exemplo, para patrulhar pensamentos, censurar eventuais críticas e até mesmo perseguição a seus adversários políticos”.
GEORGE ORWELL
Na representação, Sampaio cita o livro “1984” do escritor George Orwell, romance distópico publicado em 1949 que narra um estado de vigilância perpétua feita pelo governo, com mecanismos como a ‘Polícia do Pensamento’ e o ‘Ministério da Verdade’, que tinha a missão de mudar a História de acordo com as preferências do governante, o Grande Irmão.
“A norma é evidentemente inconstitucional e necessita de imediata suspensão, sob pena de criarmos uma polícia ideológica disfarçada de órgão da Justiça”, apontou Sampaio no documento.
“Em que pese a comparação do Estado brasileiro com o pensamento de Orwell ter se tornado um lugar comum, não é possível deixarmos de trazer a lembrança da nominada ‘Polícia do Pensamento’ contida no livro ‘1984’, órgão público que, no romance, tinha a função de descobrir e punir o crime de pensamento.”
DÚVIDAS
A criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia vem sendo criticada e levantando dúvidas sobre sua regularidade e imparcialidade. A primeira questão é abrir brecha para que órgão ligado a um governo possa classificar o que é desinformação e diferenciá-la de crítica e opinião quando não lhe for favorável.
Professor de Direito Público da USP (Universidade de São Paulo), Floriano de Azevedo Marques disse que o Brasil ainda não possui um marco claro para separar opinião de desinformação e que a função pretendida pela AGU cabe melhor ao Ministério Público.
“Trata-se de interesse da própria sociedade que, pela constituição, tem como principal guardião o Ministério Público. Acho que essa atribuição [de combater a desinformação] cabe mais ao Ministério Público do a que a AGU.”
Luiz Guilherme Conci, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, disse que não vê risco de violação à liberdade de expressão em razão de a desinformação tem um conceito definido, de uma estratégia de manipulação com um sentido de universalizar uma narrativa mentirosa. “Casos de excessos da AGU devem ser combatidos pela magistratura”, afirmou.