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Por decreto, governo Lula cria Procuradoria para combater desinformação e gera críticas

Deputado do PSDB vê possibilidade de perseguição ideológica e entra com representação na PGR contra decreto

Por Xandu Alves | 06/01/2023 | Tempo de leitura: 4 min
São José dos Campos

Divulgação / Renato Menezes / AscomAGU

Posse de Jorge Messias, novo advogado-geral da União
Posse de Jorge Messias, novo advogado-geral da União

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já tem a sua primeira grande polêmica. A criação, por decreto, da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, subordinada à AGU (Advocacia-Geral da União). Segundo Jorge Messias, advogado-geral da União, o novo órgão terá a atribuição de combater a desinformação.

“Repudiamos a apologia à violência e ao autoritarismo. Não permitiremos que tais condutas sufoquem, intimidem ou abalem a atuação dos poderes da União”, disse Messias.

Veja em seguida: ‘Procuradoria não cerceará opiniões ou críticas’, garante AGU

A medida é criticada por entidades e pela oposição, que consideram a nova atribuição dada à AGU um risco que pode levar à censura.

Na cerimônia de posse, o advogado-geral da União disse que a nova Procuradoria deverá promover uma “pronta resposta a medidas de desinformação e atentados a eficácia das políticas públicas”.

Messias ressaltou que a criação do órgão vem da preocupação com tudo o que ocorreu nos últimos quatro anos. Ele conceituou a desinformação como uma “mentira voluntária que tem objetivo de minar as constituições e as políticas públicas” e garantiu que a AGU “não vai minar ou cercear a liberdade de expressão”.

REAÇÃO
A primeira reação ao novo dispositivo veio do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB), que entrou com uma representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão ingresse com ação junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e peça, liminarmente, que o principal tópico do decreto seja suspenso.

“A representação não visa acabar com a Procuradoria. O que nos preocupa é a competência que foi dada à AGU. Não pode se delegar competência do Ministério Público para a AGU através de um decreto. Esse é o primeiro erro”, disse o deputado a OVALE.

“O segundo é que o decreto define o que venha a ser desinformação. Hoje em dia há certo entendimento jurisprudencial sobre desinformação, não sei se seria necessário definir-se. Mas uma coisa é certa: se tiver que se definir tem que ser por lei, e nunca por decreto.”

Para Sampaio, corre-se o risco de permitir que a política, e não o campo jurídico, defina o que é desinformação. “Não tem cabimento que cada governante que entrar dizer por um decreto aquilo que para ele é desinformação. Tem que existir uma norma que diga aquilo que para o Brasil é desinformação, e aí pressupõe um processo legislativo, com aprovação na Câmara e no Senado”.

Veja em seguida: ‘Não tem cabimento o governo dizer o que é desinformação’, diz deputado Carlos Sampaio

O deputado federal também vê risco de o órgão ser utilizado de forma inadequada. “O presidente Lula poderia usar esse decreto, por exemplo, para patrulhar pensamentos, censurar eventuais críticas e até mesmo perseguição a seus adversários políticos”.

GEORGE ORWELL

Na representação, Sampaio cita o livro “1984” do escritor George Orwell, romance distópico publicado em 1949 que narra um estado de vigilância perpétua feita pelo governo, com mecanismos como a ‘Polícia do Pensamento’ e o ‘Ministério da Verdade’, que tinha a missão de mudar a História de acordo com as preferências do governante, o Grande Irmão.

“A norma é evidentemente inconstitucional e necessita de imediata suspensão, sob pena de criarmos uma polícia ideológica disfarçada de órgão da Justiça”, apontou Sampaio no documento.

“Em que pese a comparação do Estado brasileiro com o pensamento de Orwell ter se tornado um lugar comum, não é possível deixarmos de trazer a lembrança da nominada ‘Polícia do Pensamento’ contida no livro ‘1984’, órgão público que, no romance, tinha a função de descobrir e punir o crime de pensamento.”

DÚVIDAS

A criação da Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia vem sendo criticada e levantando dúvidas sobre sua regularidade e imparcialidade. A primeira questão é abrir brecha para que órgão ligado a um governo possa classificar o que é desinformação e diferenciá-la de crítica e opinião quando não lhe for favorável.

Professor de Direito Público da USP (Universidade de São Paulo), Floriano de Azevedo Marques disse que o Brasil ainda não possui um marco claro para separar opinião de desinformação e que a função pretendida pela AGU cabe melhor ao Ministério Público.

“Trata-se de interesse da própria sociedade que, pela constituição, tem como principal guardião o Ministério Público. Acho que essa atribuição [de combater a desinformação] cabe mais ao Ministério Público do a que a AGU.”

Luiz Guilherme Conci, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, disse que não vê risco de violação à liberdade de expressão em razão de a desinformação tem um conceito definido, de uma estratégia de manipulação com um sentido de universalizar uma narrativa mentirosa. “Casos de excessos da AGU devem ser combatidos pela magistratura”, afirmou.

Veja em seguida: ‘Nenhum governo democrático definiu fronteiras sobre desinformação e críticas’, diz ANJ


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