
Sabe quando a gente encana com um barulhinho no carro e, de tanto prestar atenção, começa a escutar até o motor respirar? É mais ou menos isso que acontece com quem vive em hiper-vigilância sistêmica. Só que, em vez do carro, o alvo vira o próprio corpo. O coração dá uma aceleradinha e pronto, a mente já grita que é algo sério. A barriga ronca e parece que vem uma doença, a cabeça dói e já é motivo para pensar no pior. Qualquer sensação vira um sinal de alerta, um chamado de emergência que às vezes nem existe.
A ansiedade, quando se junta com essa lupa afiada apontada pra dentro, vira um combo explosivo. A pessoa começa a se observar tanto, mas tanto, que já não sabe mais o que é uma sensação normal do corpo e o que é uma ameaça real. A respiração, o batimento, o formigamento no dedo, tudo vira sintoma e o pior é que esses sinais acabam mesmo ficando mais intensos, porque o cérebro acredita fielmente que há algo de errado e para ajudar, começa a produzir ainda mais estresse.
Esse estado de hiper alerta não é frescura, nem exagero, nem drama, mas é exaustivo, e quem vive isso não está querendo chamar atenção, está só tentando sobreviver com um sistema de alarme interno que dispara o tempo todo. O corpo reage como se estivesse fugindo de um leão, mas o leão nunca aparece. Quem sente isso geralmente tem um histórico de ansiedade que foi crescendo aos poucos. Às vezes começou lá atrás, depois de uma crise de pânico, ou depois de um susto de saúde, ou mesmo num período de muito estresse acumulado. A partir daí, o corpo passou a ser monitorado o tempo todo e a pessoa se acostuma a escanear tudo o que sente, não por querer, mas por medo. Medo de que algo passe despercebido, medo de não ter controle e medo de morrer.
E aí vem o pior inimigo: o celular, porque é nele que mora o oráculo moderno. A pessoa sente uma fisgada e corre pro Google. Em dois minutos já encontrou cinco doenças possíveis, três exames que nunca fez e sete motivos pra ir ao hospital. Mas o que era só ansiedade vira mais ansiedade. A cabeça gira, o estômago revira, o coração dispara mais ainda e tudo se confirma, algo está errado, sim, só que o erro não está no corpo, está no excesso de vigilância.
Quando a gente começa a viver assim, é como se o cérebro virasse um guarda que desconfia de tudo. E, pior, um guarda que não dorme nunca. A sensação de perigo constante esgota a mente e o corpo, não tem descanso verdadeiro, porque nem o sofá da sala é seguro, nem o banho relaxa, nem o sono vem e o corpo está sempre em estado de alerta. E aí o que era pra ser cuidado, vira sofrimento.
Mas tem uma coisa que ajuda muito a aliviar essa prisão invisível: saber que você não está sozinho. Saber que esse modo de viver tem nome, tem tratamento e, mais importante, tem saída. Não é preciso ficar checando o pulso, nem fazendo exame atrás de exame pra conseguir dormir em paz. Com ajuda certa, dá pra aprender a confiar no corpo de novo, dá pra reaprender a respirar fundo e entender que nem toda dor é doença.
O problema começa quando a gente acredita que só vai estar seguro se vigiar tudo o tempo todo e isso não é controle, é tortura.
Desligar esse modo de alerta não é fácil, é um processo. O mais importante é saber que existe vida fora da lupa. Que é possível viver sem fiscalizar o coração batendo, sem buscar diagnóstico pra cada espirro, sem achar que cada desconforto é o começo do fim.
O corpo é nosso, mas ele não é máquina de precisão. Ele sente tudo o que a gente vive, carrega nossas histórias, responde ao que acontece por dentro e por fora.
Quando a gente entende isso, a vigilância pode virar cuidado verdadeiro e um cuidado que não sufoca, mas acolhe, que não paralisa, mas dá liberdade, que não amedronta, mas acalma.
Com carinho, Fabiane Fischer.
Fabiane Fischer é especialista na recuperação de dependentes químicos, abusos e compulsões.