
Haveria, por acaso, quem não sinta alguma forma de nostalgia? De um tempo, de um lugar? De costumes, de uma forma de viver? Ou, aparentemente, por motivo algum? Diz-se até que os humanos vivemos a nostalgia da inocência perdida, do paraíso primordial. É a saudade ainda mais doída. E, no entanto, também reconfortadora pelas lembranças que traz, mesmo que, de certa forma, melancólicas.
Vive-se uma rima na alma: nostalgia, melancolia. Chegam-nos, a cada pessoa, por lembranças, recordações agridoces. Logo, são sentimentos, reações tão pessoais, íntimas, que se não explicam com palavras. Acolhendo-as com serenidade – recusando-se a lamentos ou a inconformismos – advém a coragem e a lucidez de compreender e aceitar a própria história pessoal. Que é, estranhamente, única em meio às infinitas outras.
Neste 24 de junho de 2025, a vida me privilegia ao conceder-me 85 anos de existência nesse “mysterium tremundum et fascinans” que, também, é o mundo. E – recorrendo à gratidão do “Magnificat” – ouso repetir: “Meu espírito exulta de alegria”. Nada mais há senão agradecer. Nada mais a pedir. Nem a esperar, pacificando, assim, a esperança. Pois, cheguei a meu futuro pessoal. Estou nele. Tornei-me o futuro, os quereres, o sonhar da criança, do adolescente, do homem que, a pouco e pouco, fui sendo. Torno-me, pois, o somatório do passado. Do que foi vivido. Não tenho, pois, futuro. Estou, cheguei nele.
Sinto, porém, não ser o final da jornada. É o começo de um novo viver, por mais breve possa ser. E, de repente, acontece como que uma purificação, um quase pleno entendimento do que resta a fazer. Há que ser um completar, nessa hora em que se tornam desnecessários os verbos ser, ter e haver. O fundamental que se impôs é o estar. O ainda estar. E ter a sabedoria de estar. Com a responsabilidade e missão – certamente últimas – de apenas contar, relembrar, narrar o acontecido nesta terra abençoada conforme o vivi. Dizer do nosso ontem. Pois, o hoje, o agora já não mais posso entendê-lo. Tornei-me fruto de uma outra história.
Cedi, enfim, ao coração. Desejo, ardentemente, que em definitivo. A razão – tão frágil, tão relativa – foi vencida por um antigo e venturoso clamor rompendo o peito: “ruit hora”. A rapidez com que o tempo passa. Ou que passamos por ele. E – agora no livre pulsar da própria alma – a certeza de antigos e acalentados sonhos e ideais não se terem concretizado. Mas, ainda vivos para as próximas gerações.
Sonhamos, sim, com o que seria o “admirável mundo novo”. Que aconteceria com o advento de uma auspiciosa democracia cristã. Bebi avidamente daquela fonte, após o amargor decepcionante do marxismo totalitário. Encontrei a fulgurante luz de Jacques Maritain, de Lebret, de Congar, de Mounier. Embriaguei-me do vinho cultural das fertilíssimas videiras de Alceu Amoroso Lima, de dom Hélder Câmara, de Franco Montoro, de Paulo de Tarso, de Plínio de Arruda Sampaio, de Carvalho Pinto, de Chopin Tavares de Lima, do mártir da educação, que foi Paulo Freire. E de diversos outros.
Mas a violência, o totalitarismo, a ganância materialista podaram as vinhas. E o tempo passou. Ainda outra vez, acontecera a aparentemente eterna luta entre o sonho e a realidade. O lucro, a vantagem de poucos, ainda prevalece sobre as necessidades humanas. Derrotou-se a geração que propôs fazer o amor e não a guerra.
Foi uma santa, uma abençoada loucura. Agora, é saborear a nostalgia. Sabendo, porém, haver, apenas, o vazio de um ideal que existiu. E que está vivo. Logo, não se creia que o sonho acabou. Apenas é preciso haver novos sonhadores.
Cecílio Elias Netto é jornalista e escritor.