ESTUDO

ONU cobra explicações do Brasil sobre falta de comida em cadeias

Pesquisa da Secretaria Nacional de Políticas Penais revela que quase 90% das unidades prisionais no país oferecem menos refeições do que o recomendado

Por Raquel Lopes | 3 dias atrás | Tempo de leitura: 4 min
da Folhapress

Agência Brasil

Supremo Tribunal Federal determinou que governo federal elabore em seis meses um plano nacional para resolver os problemas do sistema penitenciário brasileiro
Supremo Tribunal Federal determinou que governo federal elabore em seis meses um plano nacional para resolver os problemas do sistema penitenciário brasileiro

A ONU (Organização das Nações Unidas) solicitou esclarecimentos ao governo brasileiro sobre denúncias de escassez de alimentos, acesso inadequado a comida e falta de água potável no sistema prisional do país.

Uma pesquisa inédita da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais), ligada ao Ministério da Justiça, revela que quase 90% das unidades prisionais no Brasil oferecem menos refeições do que o recomendado pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

O Panorama Nacional de Acesso à Alimentação e à Água no Sistema Prisional Brasileiro, pesquisa finalizada na última semana, aponta ainda que, em algumas unidades prisionais, a água potável precisa ser fornecida pelas famílias dos detentos.

Segundo o estudo, as regras mínimas da ONU para o tratamento de pessoas presas exigem que as refeições sejam servidas em horários regulares, tenham qualidade nutricional para manter a saúde e que haja acesso garantido a água potável. Também é necessário respeitar a diversidade religiosa e atender às necessidades especiais individuais.

Os ofícios da ONU foram enviados pelo Escritório do Alto Comissariado para os Direitos Humanos. O órgão é responsável por liderar os esforços globais na promoção e proteção dos direitos humanos.

O Ministério dos Direitos Humanos solicitou, na terça-feira (25), informações aos estados para embasar as respostas, especialmente sobre problemas de alimentação e acesso à água nos estados de São Paulo, Piauí, Minas Gerais e Santa Catarina. Os governos têm até 9 de julho para responder.

Os relatores da ONU querem saber como o governo brasileiro garante o acesso a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. Também questionam quais setores são responsáveis pela administração prisional e se há recursos financeiros adequados para cumprir os padrões mínimos de alimentação.

De acordo com o levantamento da Senappen, em 33,42% das unidades prisionais brasileiras são servidas três refeições diárias; em 54,09% delas são quatro; em 10,15% são servidas cinco refeições, e apenas em 0,72% são servidas seis. Resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária exige a oferta mínima de cinco refeições diárias: café da manhã, almoço, lanche, jantar e ceia.

O estudo abrangeu 1.384 unidades, onde estão custodiadas 581.993 pessoas, representando 90,32% da população carcerária. A pesquisa também revelou que nas unidades que oferecem menos de cinco refeições diárias, o intervalo entre duas delas pode superar 15 horas, o que indica períodos de fome para os detentos.

Além disso, 87,87% das unidades afirmaram oferecer alimentação especial por questões de saúde dos detentos. No entanto, apenas 33,42% adaptam as refeições para atender às necessidades religiosas dos presos.

Cíntia Rangel Assumpção, coordenadora-geral de Cidadania e Alternativas Penais, destacou que há uma notável queda na qualidade dos alimentos nos estados que não possuem cozinha própria para preparar as refeições, e dependem de empresas terceirizadas.

"O alimento pode até ser produzido seguindo todos os padrões, mas o levantamento aponta uma perda de qualidade após o deslocamento. Estabelecer cozinhas internas tem demonstrado ser uma boa prática nas unidades", afirmou.

As próprias unidades relataram diversos problemas relacionados à alimentação no sistema prisional, incluindo quantidade insuficiente, ausência de frutas, legumes e verduras, atrasos e entregas adiantadas, baixo teor de proteína, relatos de comida azeda e questões de higiene como presença de insetos.

A Folha de S.Paulo já havia relatado na série Presídio e Morte que o sistema penitenciário brasileiro é palco de uma proliferação de casos de tortura de presos e outros desrespeitos a direitos fundamentais, com restrição de comida e água.

Um dos relatos destacados na pesquisa revelou que o acesso à água para consumo humano tem sido subsidiado por familiares. "O que mais chocou foi a precariedade das condições de acesso à água. Verificamos problemas em vários níveis. Este é um direito fundamental que deveria ser garantido pelo estado, mas está sendo equivocadamente transferido para os familiares", disse a coordenadora nacional de trabalho da Senappen, Juciane Prado Lourenço da Silva.

Segundo as entrevistadas, em diversas unidades prisionais, para garantir água potável aos detentos, é necessário construir poços artesianos, ampliar reservatórios, contratar empresas especializadas na manutenção e limpeza de caixas d'água, além de expandir os pontos de acesso.

Para o secretário nacional de Políticas Penais, André Garcia, uma alimentação equilibrada contribui para a redução de tensões e conflitos nas prisões. "Ao adquirirem habilidades relacionadas à alimentação saudável e ao cuidado com a nutrição, as pessoas presas passam a contar com ferramentas valiosas para uma vida lícita pós-cárcere, especialmente se essas habilidades forem associadas à capacitação profissional, ao ingresso em oportunidades produtivas e ao acesso à renda", disse.

O STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que o governo federal elabore em seis meses um plano nacional para resolver os problemas do sistema penitenciário brasileiro, sobrecarregado e subfinanciado. O plano está sendo elaborado pela Senappen e o CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

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