ARTIGO

O viés ideológico do Enem

Por Erica Gorga | 13/11/2023 | Tempo de leitura: 3 min

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foi instituído em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos estudantes brasileiros ao final da educação básica. A aplicação da prova ocorre em dois dias. A primeira etapa, realizada no último dia 5 de novembro de 2023, contemplou a resolução de 95 questões supostamente “objetivas” e uma redação que, segundo o próprio site do Enem, “exige o desenvolvimento de um texto dissertativo-argumentativo a partir de uma situação-problema.”

O Enem de 2023 evidenciou o incontestável viés ideológico da prova, que reflete o processo de ideologização crescente do ensino público brasileiro, que foi tema de nosso artigo da semana passada (“O viés ideológico e partidário da Conferência Nacional de Educação-I”). Com efeito, a prova do Enem não primou pela avaliação do conhecimento dos estudantes, mas por medir o grau de doutrinação mental e lavagem cerebral dos alunos que aderiram às ideias da cartilha da extrema esquerda, que inclui agenda anticapitalista e socialista. A cartilha promove a divisão de classes e a divisão identitária, segundo critérios de raça, gênero ou orientação sexual, para mútuo enfrentamento, seguindo a ideologia de Marx e Engels e dos autores da Escola de Frankfurt, que conceberam os movimentos das chamadas minorias. Aliás, textos de autores dessa escola alemã, tais como Adorno e Horkheimer, são citados na prova.

O roteiro das questões e da redação do Enem incluiu todas as modalidades de luta tais como concebidas pelos pensadores da esquerda: proletariado contra burguesia, “sem terra” contra com terra, negros e índios contra brancos, mulheres contra homens, LGBTs contra heterossexuais e até transgêneros contra mulheres.

As questões demonizaram o capitalismo, a “lógica do mercado” e o agronegócio. Segundo os textos dos autores selecionados para a prova, a “lógica do agro” está associada ao desmatamento, à apropriação de terras por mecanismos ilegais, à “pragatização” dos seres humanos e não humanos, à violência simbólica, à superexploração, às “chuvas de veneno” e à violência contra a pessoa. Outra questão exaltou os ensinamentos de Paulo Freire, dizendo que, para lutar contra “estruturas de opressão”, os educandos precisam se engajar em “participação sociopoIítica”. Outra pergunta citou texto do autor esquerdista francês Michel Foucault, que conecta a sociedade capitalista à “economia das ilegalidades” e à “transferência violenta das propriedades”, demonizando a “burguesia” com suas “operações comerciais irregulares”. Outra questão celebrou atleta de sexo biológico masculino transgênero que competiu entre mulheres, elogiando o suposto “potencial inclusivo do esporte” e criticando os conceitos padrões da biologia.

Para coroar, o suposto tema da redação “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil” foi mal redigido e prolixo. Não se tratou de uma proposta de reflexão, mas de defesa de conclusão feminista de extrema esquerda. Será que tal trabalho é mesmo invisível? E quem considera que é plenamente visível? E quem acha que não é uma questão de “enfrentamento”, mas sim de mera escolha da mulher? E quem conhece homens que também realizam trabalho de cuidado? Nenhum desses questionamentos básicos é possível perante a temática enviesada da redação do Enem. Os alunos basicamente tiveram que comprovar que a afirmação contida no tema da redação era verdadeira, mas tal afirmação apresentada como verdade absoluta é altamente questionável. Ora, qualquer educador sabe que um tema de redação não pode impor a conclusão da análise que cabe somente ao aluno realizar. O Enem exige de todos os alunos brasileiros nada menos que a proclamação de um manifesto feminista!

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