ARTIGO

Estas mulheres

Por David Chagas | 12/03/2023 | Tempo de leitura: 4 min

Não tragam flores. Não é preciso. Tratem-nas, isto sim, sem rancor, sem violência, sem agressividade. Uma palavra bendita e bem-dita valerá mais que um ramo ajeitado de flores.

Se antes desta figura singular conheceu a mãe, também ela de igual gênero e ternura, deve entender o texto. Por que tratá-las assim, de forma rude, como se as desejasse distantes ou mortas? De uma delas há de ter nascido. Delas nascerão os filhos seus.

Não precisa falar mansamente. Basta um pouco de açúcar e muito de afeto. Tudo pode e deve ser dito. Na palavra, o argumento preciso. Se exceder, pesa, não para elas, para a vida. Se lhe parece difícil, se me contradiz no que afirmo, diante delas, silencie. O silêncio tem a aura divina da paz. Incomoda sem ferir.

O dia da Mulher é para refletir. Se a saudação necessária para o oito de março tiver instantes de euforia, respeite. Se não quiser aplaudir, sorria ao menos. Não zombe nem sugira que não se comportem com ingenuidade, graça ou frescor juvenil.

Mulher! Mãe de filhos, a quem se devota apreço, admiração e respeito. Zeca Veloso ensina, em metáforas belíssimas, como fazer delas centro do acontecimento.  E conclui: todo homem precisa de uma mãe!

Tive a minha! Quem me lê, igualmente. Os órfãos, filhos de pais feminicidas, também. Inseguros, os que se fizeram criminosos por insegurança e desequilíbrios, não foram capazes de entender que nelas, com elas e por elas Deus prova sua onipotência.

Se sou grato por ter nascido, devo respeito a todas elas, exatamente por ter, com minha mãe, a reconhecer a grandeza do gênero. Em casa, dividimos, os quatro, bênção e privilégio. Com você e os seus, não deve ter sido diferente. E os que vierem de você devem aprender isso.

Com elas e por elas é possível conhecer a luz e a vida. Delas nos chegam, por seu olhar, manhãs de sol, chuva criadeira, flor, sal, marcas de batom, num gesto de amor irretocável.

Não fosse o acolhimento de seu braço, o afago de seu peito, como reconhecer o prazer de viver e da vida? Além da presença, do amor brotando nos gestos, no olhar, nos poros, aprender e saber de bons livros, boas músicas, da força do teatro, de bons filmes, sem esconder, jamais, a riqueza da formação dada, é, também, em grande parte, uma tarefa delas.

Só elas mesmas podem permitir, com serena, mas constante dedicação, conhecer isso tudo com intensidade e beleza. Farol. Guia. Sabem contar histórias, dão gordas risadas em tardes de outono. Em tempos como agora, folgam ao admirar a quaresmeira em flor. Em outras estações,6 observam a tarde, sentam-se para café com pães, quitandas e bolos preparados por mãos de força e afeto, servido em meio a histórias agradáveis.

 “Saudades do varal, vermelho, azul, marrom”, cores dos bordados em suas roupas, na sua face, no céu. De sua voz, canções de ninar, folclores diversos e valsas dolentes. Suas orações, desfiadas em rosários repetidos ou na cantilena matinal, transpiram fé inabalável que a cada um salva e cura.

“Eis a mulher! Um ente de paixão e sacrifício/ tantas vezes de sofrimento cheio!”

Determinadas, em silêncio, coração esfacelado, sem deixar esfacelar-se a nobreza de seus sentimentos, seus princípios, sua ordem; “Nem te doas coração!/ Sê forte e corajoso, não fraquejes/ na luta!”

Todas sabem impor-se diante da dor. Empoderam-se, Agigantam-se. Valentes, defendem, como ninguém, suas crias.

Sem jamais terem lido Adélia Prado, poetisa e filósofa, seguem sua lição inquestionável e cumprem à perfeição a sina.

Minha mãe, por exemplo, inaugurou linhagem. De antes, trouxe nome que carrego, somando o de meu pai, ao nome dela. E se nos prendemos a alguma tradição, serve tão-somente para lustrar o que alcançamos ser, por nós mesmos, graças ao exemplo. A identidade nos vem deles.

Dia Internacional? Desnecessário. Os trezentos e sessenta e cinco dias são delas e trazem, do nascer ao pôr-do-sol, a marca da grandeza e da luz que emanam. Assim não fosse, Deus não teria projetado no gênero sua porção feminina, dando-lhes participação ao dividir com elas a grandeza do ato criador. Em seu ventre bendito, caixa-forte para tamanha riqueza, guarida de rebentos, fica parte do mistério alimentado no princípio pelo Verbo.

Adélias, Cidas, Marias e Clarices, benvindas, todas, como Bemvinda foi minha mãe. Todas, se quiserem, podem preparar vidas. Cozer, costurar, lavar, passar, trabalhar duro no que a vida lhes oferece em cada dia. Frágeis? Que nada!

Enquanto escrevo para abrir olhos, mostrar, exigir respeito e reverência, sinto vê-las dando cor a meus dias, onde quer que estejam, aqui, nas barrancas do São Francisco, na secura da terra gaúcha, na florada do mandacaru, no aguaceiro sem fim da Amazônia. A mesma faina, o mesmo labor, a mesma luta.

Frágeis? Como? Dizer-lhes frágeis se para comprovar a força que, vindo delas, sustenta o mundo, muitas vezes por conta da fome e da dor que são obrigadas a dar caminho, sem perder a ternura: “ser doce e fingir quando sua alma se estorce amargurada”.

No correr das horas, o dia se esvai. Nelas, o brilho permanece. Todo homem precisa de uma Mãe. Só elas podem ser.

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