“Tem cada povo o seu fado / Já talhado / No livro da natureza. / Um destino reservado / De riqueza ou de pobreza, / Consoante o chão lavrado”. (Miguel Torga – Alguns Poemas Ibéricos)
Acaso é uma palavra muito utilizada, mas de difícil definição, pois se refere a um acontecimento não ligado a uma causa. Muitos, no entanto, costumam usá-la como sinônimo de destino, fado, fatalidade e, às vezes, sorte ou fortuna. Até Aristóteles discorreu sobre ele, aproximando sua noção a de acidente, em oposição à de natureza, que sempre supõe a finalidade. Toda vez que nos deparamos com um acontecimento que não nos pareça normal, em face de sua natureza, ou seja, fortuito, imponderável, fora das determinações racionais, chamamos de acaso. Há, no entanto, aqueles que afirmam que toda situação é determinada por outras que a precedem, constituindo um elo em sua cadeia inalterável de acontecimentos. Teorizar sobre o acaso, assim como sobre o destino, (esse tido como acontecimento fatal ou necessário, determinado pela providência divina ou pelas leis naturais), sempre nos deixa em dúvida, menos aqueles tomados pelas crendices. Dúvidas sobre fatos relevantes são comuns. Por exemplo, o descobrimento do Brasil por Pedro Álvares Cabral, foi mesmo por acaso? Já em se tratando de destino, entre muitos outros casos, há um marcante na história dos EUA. Em 1845, as vésperas da Guerra do México, na qual eles anexaram o Texas e a Califórnia, o jornalista John O’ Sulllivan escreveu a respeito: “É nosso destino manifesto de ocupar o continente determinado pela providência ao livre desenvolvimento dos nossos milhões que se multiplicam anualmente”. A conquista, portanto, foi decretada por Deus e, essa crença de “destino manifesto,” respaldou também a guerra Hispano Americana em 1898 e outras aventuras imperialistas. Nossas interpretações do mundo estão atreladas ao nosso meio sociocultural e à nossa época. Tentar entender as várias nuances pelas quais nossa existência passa é impossível. Tivemos méritos em nossos sucessos ou foram meros acasos, devidos a circunstâncias imponderáveis, surgidas no momento certo? Os fracassos aconteceram sempre por culpa nossa? A evolução científica seguiu um plano ou é resultante de intuições de alguns cientistas e de circunstâncias? Ao fazer uma avaliação dos fatos passados conosco, quantas dúvidas envolvem o acaso e povoam nossas lembranças – se não tivesse ido àquele baile em que a conheci e a passei a namorá-la e com ela me casei, o que teria acontecido? Se não chegasse atrasado ao aeroporto para pegar o avião que caiu, já pensou? Se o jogador de nosso XV de Novembro tivesse segurado a bola longe de sua área naqueles fatídicos segundos finais contra o time de Sorocaba, nosso time, com certeza, teria subido. Em nossa história, predominou – acaso, destino ou realizações planejadas? A descoberta de Cabral era ensinada como obra do acaso. Será possível? A vinda de D. João VI fugindo das tropas de Napoleão, sem dúvida, foi um acaso. O que dizer da Proclamação da Independência por D. Pedro I, filho e sucessor do rei? E a abolição da escravatura decretada pela princesa Izabel, na ausência do pai, o que foi? A proclamação da República por Deodoro da Fonseca, homem da confiança de D. Pedro II, liderando um grupo insignificante de republicanos, como explicar se não por um fenomenal acaso? O convite feito pelo Estado Maior do Exército para Getúlio compor um Governo Provisório, que se prolongou por 15 longos anos, o que foi? Deixando de comentar muitos outros fatos, vamos especular sobre o destino de nosso país com suas duas faces opostas, de um lado um território inigualável e do outro, históricos dirigentes inqualificáveis. Dizem que somos nós os feitores de nosso destino. Se for verdade é uma afirmação terrível, pois somos nós que elegemos nossos carrascos.
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