Dezembro

Por Marisa Bueloni |
| Tempo de leitura: 3 min

Hoje não posso tocar o céu. O azul se dilui por entre meus dedos, mas sobretudo dispersa-se nos meus pensamentos e sonhos. Há uma distância que não sei medir, mas lá está o céu de dezembro à minha espera. O que posso fazer senão sonhar?

Não posso tocar, mas consigo transferir para as alturas as minhas mais profundas emoções. Todas as lembranças da infância, as férias de dezembro, este secular anseio natalino que começa a vingar dentro do meu pobre peito. Os dias passaram velozes, e o último mês do ano é um aceno à esperança.

É pedir demais que se repita com regular frequência um momento destes de levitação espiritual? Ah, peço a Deus o que todos pedem: a saúde do corpo e da alma. Sem saúde não somos nada, nada. Sobe aos céus minha prece pequenina, meu terço gasto, as contas brancas, o sol dourando o piso do quintal, a vida em plenitude.

Neste último mês, a transformação do cotidiano se amplia ante meus olhos. Não há nada de novo debaixo do sol, nós sabemos, tudo é vaidade e vento que passa, mas desejamos sonhar. Diante das impossibilidades, evito a repetição. Se não posso tocar universo em movimento, busco no tato a sensibilidade das matérias terrenas, as coisas físicas e tão essenciais.

Sobreviver no mundo de hoje é um ato de heroísmo. Manter-se fiel às próprias crenças e princípios, uma atitude de dignidade e coragem. Jamais renunciar à nossa fé e à nossa fiel esperança. Que a vã conversa não nos atraia, e que saibamos fugir de toda malícia.

Com fé e esperança, atravessamos um deserto e superamos a aridez dos sentidos, a confusão dos tempos, o medo, a insegurança, a dúvida. De fato, os valores se inverteram e ficou fácil chamar o bem de mal, e o mal de bem. Deus nos dê lucidez e nos ampare nesta jornada fatal. O deserto esconde seus mistérios.

Temos de transpor este portal, este tempo híbrido, até encontrar a divina iluminação. A luz do Evangelho. A Palavra que é luz para o nosso caminho, lâmpada para os nossos pés. Este Evangelho amado, acolhido, recitado ainda que entre lágrimas. Um salmo cantado com louvor e glória, aquele que sabemos de cor e não nos cansamos de rezar.

Ergo os meus olhos para os montes. De onde virá o meu auxílio? Ergo os meus olhos para o céu azul que hoje não posso tocar, para esta terra que não ouso contemplar, temendo que a visão se desvaneça na esperada aurora. O sol de dezembro por testemunha.

Há um limite para nossa ambição. Feliz de quem possui sabedoria e se contenta plenamente com o que tem e com o que é. Não vá a vista se cansar e correr atrás de um horizonte perdido, uma quimera sem valor, uma promessa sem consistência, uma conta que não fecha.

A vida é um recorte de fases, de relevos distintos, de calmarias e agitações implacáveis. Toda a redenção está contida em nossa boa vontade, a reta intenção, o gesto de quem soube perdoar e foi ofendido de novo. Setenta vezes sete?

Há de haver a plena visão, o encontro com o divino, com o sagrado. Há de acontecer um ágape de sonho para os homens de boa vontade. Ou nada disto teria sentido. Assim dezembro me inspira.

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