02 de outubro de 2024
ELEIÇÕES

Campanha: Saud e Ortiz distorcem dados sobre dívida e realizações

Por Julio Codazzi | Taubaté
| Tempo de leitura: 12 min
Montagem feita com fotos de divulgação
José Saud, o atual prefeito, e Ortiz Junior, o ex-prefeito

Candidatos à Prefeitura de Taubaté, o atual prefeito, José Saud (PP), e o ex-prefeito Ortiz Junior (Republicanos) têm apresentado dados distorcidos durante a campanha eleitoral.

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Saud, por exemplo, que assumiu em janeiro de 2021 e cumpre mandato até dezembro desse ano, tem apresentado dados imprecisos sobre a dívida herdada do antecessor e sobre as realizações do atual governo.

Já Ortiz, que foi prefeito por dois mandatos, de 2013 a 2020, tem apresentado dados inflados sobre as realizações ocorridas nas áreas da saúde e da habitação durante a gestão dele.

Dívida.

Na campanha, Saud tem dito que Ortiz, que reclamava de ter recebido a cidade em 2013 com dívidas, teria deixado o município com um débito 22 vezes maior. "O ex-prefeito [Ortiz] reclamou de uma dívida de R$ 45 milhões, e acabou deixando uma dívida de mais de R$ 1 bilhão para a gente pagar", afirmou o atual prefeito durante a propaganda eleitoral na TV, por exemplo.

Ao fazer esse comparativo, Saud faz uma confusão com conceitos contábeis. Quando dizia, em 2013, que havia recebido a Prefeitura com R$ 45 milhões em dívidas, Ortiz se referia a dívidas já vencidas - ou seja, a valores que deveriam ter sido pagos até o fim de 2012 pela gestão do ex-prefeito Roberto Peixoto.

Em janeiro de 2021, por exemplo, na primeira semana de mandato, o governo Saud chegou a divulgar um balanço das dívidas que não teriam sido pagas por Ortiz até o fim de 2020: o montante era de R$ 108 milhões, o que corresponde a um décimo da dívida que Saud diz, agora, ter herdado naquela época.

E há outras ponderações importantes. Uma delas é que, na época, Ortiz afirmou que havia deixado R$ 67 milhões em caixa para pagar parte das dívidas. Já Saud dizia que, desse montante, apenas R$ 2 milhões eram verbas não carimbadas, que podiam ser utilizadas para quitar os débitos.

Além disso, dos R$ 108 milhões em dívidas, R$ 77,7 milhões (quase 72% do total) tinham como credor o IPMT (Instituto de Previdência do Município de Taubaté). Nesse caso, foi formalizado um acordo em junho de 2022 para pagar o montante (que, corrigido, chegou a R$ 108,5 milhões) em 144 parcelas (12 anos). Como essa quitação começou em julho de 2022, apenas 30 parcelas serão quitadas até o fim do governo Saud.

As outras principais dívidas que integravam a herança deixada por Ortiz eram de R$ 10,3 milhões com a EcoTaubaté, de R$ 5,8 milhões com a Unitau (Universidade de Taubaté) e de R$ 1 milhão com a SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina), que administrava o HMUT (Hospital Municipal Universitário de Taubaté).

Para efeito de comparação, durante o governo Saud, foram acumuladas dívidas de R$ 174 milhões com o IPMT, de R$ 39 milhões com a EcoTaubaté, de R$ 13,843 milhões com a Unitau e de mais de R$ 30 milhões com a SPDM.

Plano de governo.

Outra afirmação imprecisa feita por Saud durante a campanha é a de que teria cumprido, desde 2021, 93% do plano de governo.

Primeiro, é preciso explicar que o plano de governo é o documento registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por meio do qual o candidato lista os projetos e programas que pretende colocar em prática caso seja eleito.

No caso de Saud, o plano de governo registrado em 2020 tem uma série de propostas genéricas e não contempla as principais promessas feitas pelo então candidato durante entrevistas, sabatinas, debates e propaganda eleitoral daquele ano. Por exemplo, não foram listadas no plano uma série de promessas que acabaram não cumpridas por Saud, como aumentar de 29 para 80 o número de equipes do ESFconstruir o Hospital da Criança (uma nova maternidade municipal)realizar concursos públicos para diretores de escolas ainda em 2021implantar uma segunda unidade do CCZimplantar uma segunda unidade do Cemteprimeira hora grátis na Zona Azulreduzir a taxa de luz; e ampliar a atuação do Tctau.

Além disso, ao analisar o balanço que aponta que 93% do plano de governo teria sido cumprido, é possível verificar que uma série de compromissos avaliados como concluídos ou não foram realizados ou tiveram execução apenas parcial. Exemplos: "fortalecer rede municipal de urgência, emergência e hospitalar", sendo que houve suspensão parcial de atendimentos em UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) e no HMUT; "disponibilização de wi-fi gratuita em praças e prédios públicos", sendo que foi assinado um contrato recentemente e o serviço, que será feito em apenas cinco locais, ainda não foi implementado; "garantir o atendimento no ensino infantil", sendo que a fila de espera por creches não foi zerada; "criar e implantar programas e projetos de construção de novas unidades habitacionais para a população mais vulnerável", sendo que nenhum conjunto habitacional foi construído pela atual gestão; "ampliação da Operação Delegada", sendo que a Atividade Delegada teve redução de policiais durante o atual governo; e "implementar e ampliar faixas e vias exclusivas para circulação do transporte coletivo", o que não foi feito.

Habitação.

Já Ortiz inflou dados de realizações de seu governo na área da habitação. "A gente conseguiu a construção de 3.200 novas unidades habitacionais", disse o ex-prefeito na propaganda eleitoral.

Na campanha de 2012, Ortiz prometeu construir 3.000 moradias, mas nenhum novo conjunto foi entregue no primeiro mandato. De 2013 a 2016, foram concluídos 490 imóveis, mas todos iniciados na gestão anterior, de Roberto Peixoto - foram entregues 62 casas no Quinta das Frutas, em 2013; 108 apartamentos no Benedito Capelleto, em maio de 2015; e 320 apartamentos no Sérgio Lucchiari, em novembro do mesmo ano.

Na campanha de 2016, Ortiz prometeu construir mais 1.000 casas, mas foram entregues apenas os conjuntos anunciados em 2014 e iniciados ainda no primeiro mandato, que somaram 1.696 moradias - Novo Horizonte, com 864 apartamentos, foi entregue em janeiro de 2017; e o Vista das Palmeiras, no Barranco, com 832 unidades, foi entregue em março de 2018. Esses dois conjuntos, que somam pouco mais de metade das "3.200 novas unidades" ditas pelo ex-prefeito na campanha, foram os únicos executados - do início ao fim - durante os oito anos do governo Ortiz.

No início de 2020, no último ano da gestão, Ortiz chegou a anunciar a construção do Residencial Vale dos Bandeirantes, no Quinta das Frutas. Mas as 536 casas começaram a ser entregues somente em dezembro de 2022.

Em junho de 2020, o então prefeito também assinou convênio com o governo estadual para a construção de 266 moradias no Sítio Tangará, na região do São Gonçalo, mas o conjunto não saiu do papel até agora.

UPAs.

Na campanha desse ano, Ortiz também repete um dado distorcido que já foi utilizado por ele na eleição de 2016: o de que teria feito quatro UPAs na cidade. Para entender o erro, é preciso voltar no tempo. Na campanha eleitoral de 2012, Ortiz prometeu construir quatro UPAs em Taubaté. Na época, a cidade já tinha quatro unidades de urgência e emergência: o PSM (Pronto Socorro Municipal), o PSI (Pronto Socorro Infantil), o PA (Pronto Atendimento) Cecap e o PA Gurilândia.

No primeiro mandato, apenas duas das quatro UPAs prometidas foram construídas: a UPA San Marino, inaugurada em dezembro de 2015, e que resultou no fechamento do PA da Gurilândia; e a UPA Santa Helena, inaugurada em dezembro de 2016.

Na campanha eleitoral de 2016, quando disputava a reeleição, Ortiz alterou o nome das três mais antigas unidades de urgência e emergência do município: o PSM passou a ser chamado de UPA Central, o PSI virou UPA Infantil e o PA do Cecap recebeu o nome de UPA do Cecap. Assim, o então prefeito passou a dizer que havia cumprido a promessa de construir quatro UPAs.

A mudança foi apenas no nome, já que a Prefeitura poderia ter buscado habilitar as unidades como UPAs Ampliadas junto ao Ministério da Saúde, o que garantiria repasse mensal para o custeio das mesmas, mas isso não foi feito.

HMUT.

Outro afirmação inverídica dita por Ortiz na campanha desse ano também já era propagada por ele enquanto prefeito. "Na minha época, Taubaté voltou a ter um hospital só para os taubateanos. Eu municipalizei o antigo hospital universitário e a cidade passou a ter mais de 200 leitos disponíveis", afirmou o ex-prefeito na propaganda eleitoral de 2024.

No primeiro semestre de 2019, o HMUT (Hospital Municipal Universitário de Taubaté) voltou a ser gerido pelo município, mas nunca teve atendimento exclusivo para taubateanos desde então. A regulação de vagas, por exemplo, não deixou de ser feita pela Cross (Central de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde), que é do governo estadual, e o hospital continuou a atender pacientes de toda a região e até de outros estados.

Nos últimos anos, com relação às internações, os taubateanos representaram cerca de 70% dos pacientes atendidos no HMUT. Já com relação às consultas, esse percentual ficava em torno de 50%.

AME/Lucy Montoro.

Outra informação imprecisa na campanha de Ortiz é o uso de imagens do AME (Ambulatório Médico de Especialidades) e do Centro de Reabilitação Lucy Montoro como sendo de realizações da gestão dele.

Construídos pela Prefeitura, com recursos do governo estadual, o AME e o Lucy Montoro foram iniciados em agosto de 2015 e deveriam ter sido concluídos em agosto de 2016, ainda no primeiro mandato de Ortiz, mas isso não aconteceu.

E as unidades sequer foram inauguradas até o fim do segundo mandato de Ortiz, em dezembro de 2020. O AME iniciou as atividades em março de 2022, com 67 meses de atraso. E o Lucy Montoro em março de 2023, com 79 meses de atraso.

Resposta de Saud.

Questionado sobre o dado da situação financeira deixada por Ortiz, Saud insistiu na confusão e reafirmou que a dívida era de R$ 1 bilhão. Para chegar a esse valor, no entanto, o atual prefeito somou outros dois dados que não correspondem a dívidas vencidas.

Saud afirmou, por exemplo, que as dívidas de curto prazo ao fim de 2020 eram de R$ 532,61 milhões. Esse dado está correto e foi apontado pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado). Porém, as dívidas de curto prazo são aquelas que vão vencer nos próximos 12 meses, como pagamentos de fornecedores e empréstimos.

A soma feita por Saud também inclui as dívidas de longo prazo, que são aquelas com prazo de vencimento superior a 12 meses, como precatórios, acordos de parcelamento de dívidas, financiamentos e outras operações de crédito. Segundo o atual prefeito, elas seriam de R$ 514,66 milhões - o TCE, nas contas de 2020, apontou que seriam de R$ 268,14 milhões.

Nas contas do governo Saud, por exemplo, da dívida de longo prazo, R$ 420 milhões seriam com o CAF (Banco de Desenvolvimento da América Latina). Para isso, a atual gestão soma a amortização do empréstimo de US$ 60 milhões, que foi firmado por Ortiz, e também os juros da operação de crédito, chegando a um total de US$ 75 milhões. No entanto, das 12 parcelas semestrais, cada uma de US$ 5 milhões, mais juros, somente seis vencerão até o fim do governo Saud, em dezembro desse ano.

Além disso, a atual gestão tem aplicado calote no CAF. Até agora, somente a primeira parcela, em junho de 2022, de R$ 26,313 milhões, foi paga. Outras quatro deixaram de ser pagas, entre dezembro de 2022 e junho desse ano, e somam uma dívida de R$ 133,65 milhões. A sexta parcela vence em dezembro de 2024 e não há previsão de ser paga. Ou seja, na prática, a amortização do empréstimo não impediu realizações do governo Saud, já que ela basicamente não foi feita.

Sobre o fato do plano de governo de 2020 não incluir as principais promessas feitas durante a campanha daquele ano, Saud afirmou que, "em termos formais, o plano de governo é, de fato, o pacto oficial entre o candidato e o eleitor".

Sobre os tópicos do plano de governo que, embora não tenham sido executados, foram marcados como cumpridos, Saud afirmou que "eles foram ou estão sendo cumpridos". No detalhamento de cada um deles, no entanto, o prefeito admitiu que parte dos compromissos não saiu do papel como previsto inicialmente.

No caso das "faixas e vias exclusivas para circulação do transporte coletivo", por exemplo, Saud afirmou que apenas "um projeto piloto foi implantado de forma experimental na Avenida dos Bandeirantes, da Avenida Santa Luíza de Marillac até a Faria Lima, na forma de faixa compartilhada" - ou seja, a faixa, que foi prometida como exclusiva, foi executada como compartilhada.

Resposta de Ortiz.

Questionado pela reportagem, Ortiz afirmou que "entregou e viabilizou" 3.200 unidades habitacionais. Para isso, o ex-prefeito somou as 1.696 moradias que efetivamente construiu e entregou no Novo Horizonte (864 apartamentos) e no Vista das Palmeiras (832 unidades), mas também contabilizou as casas iniciadas no governo Peixoto (62 casas no Quinta das Frutas, 108 apartamentos no Benedito Capelleto e 320 apartamentos no Sérgio Lucchiari) e as moradias entregues depois de 2020 (as 536 do Vale dos Bandeirantes). A conta de Ortiz inclui ainda 600 casas que teriam sido construídas por moradores e, para as quais, a Prefeitura teria feito a doação de materiais de construção.

Sobre as UPAs, Ortiz afirmou que "é um equívoco tratar" o caso "como mera troca de nomes". Disse que "os equipamentos que foram substituídos pelas UPAs Central e Cecap tinham estruturas precárias" e que as unidades "foram ampliadas, equipadas e reformadas". "Logo, não guardam semelhança com o que já existia anteriormente. Além disso, houve acréscimo do número de médicos e de enfermagem nas UPAs", disse.

Sobre o HMUT, o ex-prefeito afirmou que, antes da municipalização, "os moradores de Taubaté tinham acesso reservado a apenas 40" leitos e que, depois, passaram a ser "160 leitos de internação". No entanto, além de não haver nenhum dado oficial que confirme o número de antes da municipalização, o hospital não opera com reserva de leitos para determinado município - por receber verba dos governos estadual e federal, a unidade integra o SUS (Sistema Único de Saúde) e não pode recusar atendimento a pacientes de outras cidades. Além disso, ao afirmar que o hospital passou a ter 160 leitos para os moradores locais, Ortiz confirma que a informação dita na campanha - de que os 220 leitos seriam exclusivos para os taubateanos - é incorreta.

Sobre o fato de citar na campanha o AME e o Lucy Montoro, que só foram entregues anos após o fim do governo dele, Ortiz afirmou que "nenhum equipamento público se viabiliza da noite para o dia". "Tanto AME quanto Lucy Montoro foram fruto de esforço persistente da gestão Ortiz Junior junto ao governo do Estado, ao longo de anos", disse. Embora as obras devessem ter sido concluídas em 2016, o ex-prefeito ainda culpou a pandemia, iniciada em 2020, pelo atraso. "Tão somente por razões específicas relacionadas à pandemia, que afetou toda a cadeia global de suprimentos a partir de 2020, as obras não puderam ser inauguradas antes do término do mandato", afirmou.