José Guilherme está feliz.
Veja bem, verdade seja dita: José Guilherme está duplamente feliz.
Dias atrás, em uma manhã de julho, com a fé inabalável na poesia do encontro, tive o privilégio de tomar um café (ou dois) com José Guilherme Ferreira.
Conhecido como Zé Gui, José Guilherme é um homem de múltiplos talentos e facetas diversificadas. É jornalista, artista plástico e escritor, além de poeta e poesia.
No entanto, eu o reconheço como melhor escritor de cartas do mundo, sem exagero - tive o privilégio de tê-lo como mestre dos carteiros perdidos, em meu projeto de cartas. No mundo de epístolas perdidas, foi um achado inestimável.
Bom, mas voltando ao tema, antes que o café esfrie, José Guilherme estava feliz naquela manhã. Radiante. E tinha motivo para isso. Aliás, tinha motivos para isso. Quais?
Primeiro motivo: Zé estava enxergando melhor do que nunca!
Após um procedimento médico, ele estava vendo o mundo com novos olhos, olhos curiosos de garoto, redescobrindo detalhes que, à vista dos últimos anos, tinham se perdido. Excelente notícia, certo?
E qual era o segundo motivo? Zé estava enxergando melhor do que nunca! Mas, desta vez, eu me refiro à literatura.
Jornalista dos bons, ele trouxe a segunda boa notícia daquele café: me presenteou com um exemplar de LOCI, o seu novo livro de poemas, que seria lançado dias depois (6 de agosto), no Parque Vicentina Aranha.
Em roupas variadas, seja em versos ou desenhos, a poesia apresenta-se com a profundidade de um riacho oceânico. Ou a profundura oceânica de um riacho? Um oceano ao som de Bach, riacho em alemão.
- o anel
que tu me deste,
maiakóvski,
faísca de soviete
amor antes de 17
já era revolução (...) (trecho do poema 'O anel de Lili Brik, do livro LOCI)
Certa vez, ao ser convidado a falar sobre literatura em uma escola, uma aluninha sagaz e com olhos de jabuticaba, curiosos como os novos olhos do Zé, tascou uma daquelas perguntas danadas.
"Mas o que é poesia?", questionou a pequena, do alto de seus 6 ou 7 anos.
Respondi a ela que a poesia é mágica como o pó de pirlimpimpim, está suspensa no ar e também em tudo aquilo que é bonito, como uma flor ou o amor. Mas... não é todo mundo que a vê. A poesia só é vista por quem enxerga o mundo com olhos amorosos, capazes de perceber a beleza que se esconde até nos dias mais feios.
Feito a roupa nova do rei, que só quem era inteligente poderia ver. Aqui, porém, é preciso despir-se do olhar cansado do mundo, para vestir-se de poesia. "Me diga, a rosa está nua ou tem apenas esse vestido?", questionava Neruda. "Por que se suicidam as folhas quando se sentem amarelas", complementava o poeta chileno, em seu "Livro das Perguntas".
Naquele café, diante das boas novas do Zé, lembrei-me da pergunta da aluninha, na escola, e de outra sequência de versos desta obra nerudiana. Ela diz:
"Onde está o menino que fui:
anda comigo ou evaporou-se?
Sabe que nunca fui com ele
nem ele comigo tampouco?
Por que estivemos tanto tempo
crescendo para essa ruptura?
Quando minha infância se foi
por que nós dois não fomos junto?
Ainda ontem disse aos meus olhos:
quando de novo nos veremos?"
Naquela manhã, nos olhos do Zé, eu vi o homem e o menino. Juntos. Se vendo de novo, com novos olhos.
José Guilherme está feliz. Veja bem, verdade seja dita: José Guilherme está duplamente feliz.
Zé está enxergando melhor do que nunca!
E, assim, pelas lentes de sua poesia, nós temos o privilégio de enxergar muito, mas muito além do que se vê. Até à vista, meu amigo. Até à vista.

Comentários
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João Candido 20/08/2025Demais. Palavras que transcendem a sede poética de todo amante da poesia e da realidade enquanto dialetizada.