
A PGJ (Procuradoria Geral de Justiça) ajuizou uma ação em que pede que seja declarada inconstitucional a lei municipal que proíbe que atletas trans disputem partidas esportivas por equipes de São José dos Campos.
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Na ação, a PGJ alega que ocorreu violação do pacto federativo, já que o município não deteria competência para legislar sobre desporto.
A PGJ havia solicitado que a norma fosse suspensa provisoriamente, mas o pedido foi negado pelo desembargador Jarbas Gomes, relator do processo no Tribunal de Justiça. O relator apontou que não haveria "indispensável urgência para a concessão do pedido de suspensão da eficácia do ato legislativo", já que a norma está vigente desde novembro de 2023.
A ação será julgada pelo Órgão Especial do TJ, que é composto por 25 desembargadores. Ainda não há data marcada para o julgamento.
Lei.
Apresentado em fevereiro de 2023 pelo vereador Thomaz Henrique (PL), o projeto recebeu posteriormente assinatura de coautoria dos parlamentares Marcelo Garcia (PRD), Renato Santiago (União Brasil) e Marcão da Academia (PSD).
O texto é uma cópia da proposta apresentada em 2022 na Câmara de São Paulo pelos vereadores Rubinho Nunes (União) e Sonaira Fernandes (PL). Thomaz, inclusive, esqueceu de alterar trecho da justificativa do texto apresentado em São José, que diz que "os transexuais são cidadãos como todos os outros paulistanos", que é o gentílico de quem nasce na capital paulista.
No projeto, Thomaz alegou que "a proposta apresentada não é fruto de preconceito ou ódio contra minorias", mas que embora os transexuais mereçam "respeito e compaixão, especialmente frente à tamanha violência que este grupo sofre no Brasil", isso não pode servir "como pretexto para o cometimento de injustiças no campo esportivo", pois "homens e mulheres possuem fisiologias completamente diferentes, independente se um dos dois passou por uma readequação de sexo".
O projeto foi aprovado pela Câmara de São José em novembro de 2023, com apenas cinco votos contrários. A norma foi sancionada pelo prefeito Anderson Farias (PSD) dois dias depois.
Jurídico.
Antes de o projeto ser votado, a Procuradoria Legislativa, que é o setor jurídico da Câmara de São José, emitiu parecer contrário ao texto. O órgão técnico apontou que "a matéria não se revela de caráter predominantemente local, haja vista a existência de inúmeras proposituras legislativas com o mesmo objeto em tramitação na Câmara dos Deputados e na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo", e que por isso não deveria ser discutida no âmbito dos municípios - que não podem "contrariar as regras fixadas pela União e pelos Estados no âmbito da competência legislativa concorrente".
O órgão técnico destacou ainda que apenas o prefeito poderia propor regras relacionadas às equipes esportivas do município - ou seja, vereadores não teriam competência para criar esse tipo de regra. A Procuradoria ressaltou também que o "Poder Constituinte originário estabeleceu como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana", e que um dos objetivos do estado brasileiro é a construção de "uma sociedade livre, justa e solidária" e a promoção do "bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação", e que por isso "o Estado não poderá tomar medidas, legais ou concretas, que possam, de qualquer forma, causar constrangimento àqueles que porventura não se enquadrem em determinado padrão, ainda que majoritário, socialmente adotado como correto ou 'normal'".
O órgão técnico concluiu que "a vedação de participação de atletas transexuais em qualquer evento oficial do município" poderia "acarretar segregação de parcela da população local em atividades públicas desportivas e até mesmo constrangimento e risco à segurança durante as competições, em evidente desrespeito ao postulado básico da dignidade da pessoa humana, que engloba tanto a liberdade individual quanto a igualdade".
Repercussão.
Questionada pela reportagem sobre a ação movida pela PGJ, a Prefeitura se limitou a afirmar que "prestou informações" no processo e "está aguardando a decisão do Tribunal de Justiça".
Já Thomaz negou que a norma seja inconstitucional. "A PGJ alega principalmente que não compete ao município regulamentar assuntos relativos a esportes, cabendo à União e ao COI [Comitê Olímpico Internacional] e suas federações tal regulamentação, bem como avaliar os critérios relativos ao gênero em cada caso para garantir a integridade dos atletas. No entanto, a lei é apenas direcionada aos critérios adotados para eventos oficiais do município e, portanto, organizados pelo município. Ou seja, não trata de competições oficiais organizadas pelo COI ou outra federação. A matéria trata, portanto, de matéria de interesse local".
O vereador alegou ainda que "a norma está alinhada com as mais recentes práticas das principais federações internacionais de diferentes esportes".