Dia 1º de maio de 1994.
O relógio marcava 9h40. Manhã de domingo, Fórmula 1. Em dia de corrida, meu irmão Julio e eu acelerávamos.
Sem queimar a largada, ainda de pijama, nós saíamos correndo do quarto e disputávamos a pole position — o melhor lugar em frente à tevê. Usava e abusava das meias, para fazer a curva entre a porta e a estante, para seguir em direção ao sofá. Era paixão antiga. Quase uma tradição, iniciada nos tempos do jardim de infância, na escola Vidinha em Grupo.
A brincadeira, em 1985 e 1986, era correr por aí rolando com um pneu pelo pátio da escola, imaginando que estávamos em uma Lotus preta e dourada. Todos queríamos ser Ayrton Senna da Silva — à época ainda um jovem e promissor piloto, sem nenhum título mundial.
O primeiro caneco veio em 1988, no GP de Suzuka, no Japão. Meu irmão e eu driblamos a vigilância materna e assistimos a prova, de ponta a ponta, de madrugada. No fim, nos abraçamos. Foi uma festa só! Senna era nosso herói. Julio e eu sonhávamos ter aquele boné azul ou o macacão vermelho.
Sinceramente, não sei qual de nós dois conseguiu a pole naquela manhã de maio de 1994. Mas não importa. Logo nos posicionamos no grid.
Luz vermelha.
Luz Verde. É dada a largada no GP de Imola. Senna havia iniciado mal o campeonato, abandonando as duas primeiras provas. Só a vitória interessava. E ela parecia encaminhada.
Senna estava na ponta. Na sétima volta, quando a Williams entrou na curva a 320 km/h, o carro tornou-se incontrolável e foi reto, chocando-se violentamente a 216 km/h. "Senna bateu forte", narrou Galvão Bueno.
Em casa, a primeira reação foi frustração, porque ele não marcaria pontos de novo. Jamais imaginaria a gravidade do acidente.
Levanta, Senna. Aos poucos, ficou evidente que o caso era gravíssimo.
Senna havia sido levado ao hospital Maggiore, em Bolonha. Muita coisa se perdeu aqui, na minha memória, que completa 30 anos neste 1º de maio. Me lembro, porém, que me refugiava em meu quarto depois de ouvir os boletins do plantão da Globo. Lá, fazia uma oração. Por volta de 13h40, a esperança deu lugar à tristeza devastadora. Ayrton Senna da Silva estava morto, aos 34 anos. O meu herói, que parecia imortal.
Por muito tempo após a tragédia, não sei bem o porquê, tinha na carteira uma foto do campeão. Hoje, na memória, preservo os negativos daquele tempo.
Olhando pelo retrovisor, entendo que aquele foi um momento de ruptura. A manhã do dia 1º de maio de 1994 foi meu rito de passagem.
Ali, ao entender que até mesmo heróis mais bravos e corajosos estão sujeitos às curvas traiçoeiras deste circuito indecifrável da vida, aos 13 anos, deixei de vez de ser criança.
O menino que eu fui também se perdeu naquele domingo, não se levantou do cockpit da Williams FW16B de Senna naquele domingo de Tamburello.