SELVAGERIA

Aluna deixada seminua dentro de escola ficou sem ajuda: 'ordem era não tocar nos alunos'

Os pais da adolescente atacada por duas alunas e filmada por outra contaram que a filha passa por tratamento neurológico para autismo grau 2 e retardo mental.

Por Priscilla Andrade | 27/03/2024 | Tempo de leitura: 6 min
da Redação

Priscilla Andrade/Folha da Região

A vítima de 15 anos sofreu escoriações e arranhões; está tomando medicamentos para controlar crises de pânico após as agressões
A vítima de 15 anos sofreu escoriações e arranhões; está tomando medicamentos para controlar crises de pânico após as agressões

Os pais da adolescente atacada por duas alunas e filmada por outra contaram que a filha passa por tratamento neurológico para autismo grau 2 e retardo mental e questionam a conduta escolar neste caso.

Quando o vídeo viralizou nos grupos de conversas, não passava das 20h de terça-feira, 26. Visualizado milhares de vezes, o conteúdo rapidamente tomou proporções pela selvageria que gerou repulsa e muita revolta.

O conteúdo do vídeo, com pouco mais de dois minutos de duração, não pôde ser divulgado na íntegra devido as cenas de humilhação infligidas a uma adolescente de 15 anos, estudante da Escola Estadual Maria Matilde Castein Castilho, em Glicério, a cerca de 36 km de Araçatuba.

Nas imagens, ela aparece sentada em um canto próximo a quadra de esportes e uma outra estudante desproporcionalmente maior que a vítima, está com ela, gesticulando com movimentos mais nervosos.

A uma certa altura, a agressora, que tem entre 17 e 18 anos, puxa a adolescente pelos cabelos enquanto desfere vários murros em direção à cabeça da estudante. Enquanto a mais velha arrasta a vítima, que várias vezes chega a cair, uma outra agressora se junta e começa mais uma sessão de selvageria.

Chutes, murros, socos, arranhões e muitos palavrões são registrados por uma terceira estudante que aponta o celular e incita ainda mais a pancadaria. A estudante mais velha, que puxa e sacode a vítima durante toda agressão, chega a arrancar as roupas da adolescente, que não consegue se esquivar dos socos e chutes.

A adolescente ficou nua da parte de cima e exposta para todos os alunos que estavam na quadra de esportes do colégio. Ela só conseguiu correr ao aproveitar um momento em que as agressoras foram distraídas por uma mulher, identificada como uma das funcionárias que estavam no momento da briga.

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"A ordem era não tocar nos alunos durante as brigas"
Segundo informações divulgas pela Secretaria Estadual de Educação sobre o caso, no momento dos fatos três funcionárias que estavam acompanhando a situação apartaram o conflito.

A reportagem acompanhou de perto o caso que ganhou destaque e continuou repercutindo nesta quarta-feira, 27. Testemunhas que entraram em contato com a Folha da Região e pediram para não terem seus nomes revelados, contaram que a segurança do estabelecimento de ensino obedece a uma conduta aplicada dentro da escola e que consiste em "não tocar nos alunos em situações de conflito", ou seja, segundo informações, a ordem seria de não intervir efetivamente para que não houvesse contato físico entre um disciplinador e um aluno.

Tal direcionamento  pode ter sido o motivo pelo qual uma das mulheres que aparece no vídeo – gravado por uma aluna – e mais tarde identificada como uma das funcionárias da escola, surge literalmente "acompanhando" e se lançando com pouca energia entre as duas alunas. A funcionária segue nessa "dança" até o momento que consegue distrair a agressora mais velha dando chance para a vítima seminua e machucada escapar.

"Não consegui salvar minha filha"
Durante esta quarta-feira, os pais da estudante agredida, passaram o dia inteiro tentando conseguir ajuda e informações sobre o que ocorreu dentro da escola. Sob a condição de não serem identificados, para evitar ainda mais a exposição da família, os pais concordaram em conversar com a reportagem. A mãe, de 44 anos, atualmente desempregada, disse que chegou a assistir a brutalidade que a filha passou, mas que não pôde intervir em defesa dela porque estava aguardando do lado de fora dos portões.

"Eu vi minha filha sendo arrastada na frente de todo mundo, me dói porque não pude fazer nada. Minha filha veio ao meu encontro, nervosa, chorando muito e tentando esconder parte do corpo magro desnudo. Abracei a minha filha e só pensei em tirar ela daquele lugar", contou a mãe por telefone.

Tratamento neurológico e suspeita de autismo
O pai, que também está desempregado, contou que a família está a cerca de um ano e meio em Glicério. Eles e os 4 filhos se mudaram de São Paulo para a cidade em busca de qualidade de vida, mas há alguns meses a família enfrenta dificuldades financeiras que impactam até na alimentação dos filhos.

Em meio a essa turbulência financeira, o pai contou à reportagem que há cerca de um ano a filha de 15 anos começou a fazer um tratamento neurológico após suspeitas de que a adolescente tenha autismo e um nível de retardo mental. A reportagem teve acesso a parte dos exames e consultas da jovem, que recebe atendimento pelo CIMPE, consórcio de saúde que oferece assistência e exames especializados às famílias com alguma condição fragilizada, e pelo Ambulatório Médico de São Paulo (AME), onde chegou a realizar alguns exames neurológicos.

A adolescente segue com os tratamentos pelo Sistema Único de Saúde, o SUS. Enquanto a família se submete ao rito de agendamentos do sistema público, a adolescente, sob aconselhamento médico, recebe medicamentos para ajudá-la a ter uma vida normal. No entanto, segundo o pai, a falta de estrutura e assistência da qual defende que a filha tenha direito, não tem ajudado em seu tratamento.

"Por causa da sua condição, nossa filha não interage como outras pessoas, ela não fala muito e quando fala se expressa de uma maneira que pode causar estranheza para a maioria das pessoas. Ela não tem filtro, fala o que vier à mente. Nós procuramos saber com a escola se ela não teria direito a um profissional para lhe dar auxílio enquanto estivesse na escola, ao que tivemos como resposta que a escola apenas ficaria de "olho" nela para evitar brigas", lembra.

Motivo da briga
A reportagem também apurou sobre o que teria motivado o espancamento público da adolescente, e de acordo com informações o motivo seria um desentendimento por causa do irmão da vítima que seria alvo de interesse amoroso das agressoras.

"Na semana passada eu fui chamada na escola por conta de uma briga entre elas, eu não levei a sério porque achei que fosse algo de adolescentes, a situação saiu do controle e não havia nenhum adulto que pudesse impedir que a situação chegasse a esse ponto?", questiona a mãe.

Questionamos
A reportagem procurou a Secretaria Estadual de Educação, que respondeu em nota que repudia a violência, lamentou o caso e disse que em um primeiro momento as estudantes acompanharão as aulas remotamente nesta semana, após determinação do Conselho Tutelar.

No fim da tarde desta quarta, uma equipe da escola onde a agressão ocorreu, acompanhada por psicólogos, visitou a família da vítima. A equipe se prontificou a acompanhar o caso e implementar estratégias de conscientização sobre conflitos e cultura de paz nas escolas.

A diretora da unidade também esteve presente na visita e teria pedido que a aluna retornasse à escola, ao que os pais negaram, alegando que só se sentiriam seguros pela filha se as agressoras fossem transferidas para outras escolas.

A reportagem apurou se a expulsão das alunas agressoras foi levada à mesa de discussão, e por enquanto não foi batido o martelo. A Diretoria de Ensino de Birigui designou um supervisor para apurar a conduta dos servidores da escola envolvidos no caso.  A Polícia Civil investiga o caso, que foi registrado como lesão corporal. O caso também foi encaminhado para a Promotoria da Infância e Juventude de Penápolis para as devidas providências.

"Quando vão parar de me bater?"
A adolescente passou por atendimento médico e voltou para casa. Ela está com vários machucados pelo corpo e com arranhões aparentes, marcas que vão levar um tempo para sarar. À reportagem, a adolescente contou que enquanto estava apanhando, só conseguia pensar em "quando iam parar de bater" nela.

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2 COMENTÁRIOS

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  • Luis Roberto Romero
    29/03/2024
    As meninas são os novos moleques.
  • Galdino
    29/03/2024
    Sim, crianças com laudo tem o direito de ter um estagiário como acompanhante em todas as aulas. Ridículo isso que aconteceu nesta escola e esse lance de não tocar em alunos brigando é a mesma coisa de filmarem um acidente com o celular e não ajudar a socorrer a vítima que pode morrer queimada pela combustão do vazamento de combustível. As pessoas estão ficando idiotizadas, isso sim.