IMPROBIDADE

Justiça vê fraude na gratuidade e condena Peixoto, ex-diretor, ABC e sócios da empresa

Sentença diz que de 2009 a 2012 número de passageiros era inflado para ampliar valor que Prefeitura pagaria à ABC; réus terão que restituir valor, que pode chegar a R$ 29,3 milhões

Por Julio Codazzi | 27/09/2023 | Tempo de leitura: 4 min
Taubaté

Divulgação/PMT

Veículos do transporte público de Taubaté
Veículos do transporte público de Taubaté

Após denúncia do Ministério Público, a Justiça concluiu que houve fraude no número de passageiros transportados de forma gratuita no transporte público de Taubaté entre 2009 e 2012 e condenou por improbidade administrativa o ex-prefeito Roberto Peixoto, o ex-diretor de trânsito Luiz Donizete Gonçalves, a concessionária ABC e os três sócios da empresa que atua no município desde 1965.

Na sentença, o juiz Jamil Nakad Junior, da Vara da Fazenda Pública, determina que os réus façam o ressarcimento integral do dano, "correspondente ao montante total dos pagamentos que, desde a assinatura do contrato de concessão [em 2009] até dezembro de 2012, a Prefeitura" realizou para a ABC "a título de compensações dos benefícios de gratuidade". A decisão não cita que valor seria esse, mas durante o processo o MP apontou, com base em documentos fornecidos pelo município, que somaria R$ 29,335 milhões.

A pena inclui ainda a suspensão dos direitos políticos por seis anos para todos os réus, a proibição de firmar contratos com o poder público ou de receber benefícios e incentivos fiscais também por seis anos, além do pagamento de multa civil no valor do dano (ou seja, de mais R$ 29,335 milhões). O valor exato do ressarcimento e da multa, que ainda precisará ser corrigido, será calculado ao fim do processo, quando todos os recursos possíveis forem esgotados. Esse pagamento terá que ser feito de forma solidária - ou seja, cada réu ficará responsável por parte dele.

DENÚNCIA.
O atual contrato entre a Prefeitura e a ABC foi firmado em maio de 2009. Até o fim de 2012, segundo a sentença, em vez de apresentar relatórios mensais completos sobre a gratuidade, com a lista de passageiros, a concessionária fornecia apenas uma nota fiscal com o número de usuários do transporte que haviam sido beneficiados e o valor que o município teria que pagar. E, mesmo assim, Peixoto e Gonçalves ordenavam o pagamento.

Em 2013, ao assumir o mandato, o então prefeito Ortiz Junior (PSDB) discordou do procedimento adotado até então e determinou que fosse feito o recadastramento de passageiros da gratuidade. Após o procedimento, houve uma redução de 7.812 beneficiários. Foi esse número que chamou a atenção do MP, que passou a investigar o caso e apresentou a denúncia à Justiça em 2015 - desde então, todos os réus já estavam com os bens bloqueados.

Durante o inquérito que antecedeu a ação, a Promotoria chegou a solicitar à ABC a relação de passageiros que foram beneficiados de 2009 a 2012, mas a concessionária alegou não ter o arquivo. Já durante o processo, a Prefeitura informou que também não tinha a lista com o nome das 7.812 pessoas que não se recadastraram em 2013.

FRAUDE.
Na sentença, o juiz destacou que um técnico da empresa que era responsável pelo sistema utilizado pela ABC à época, e que foi ouvido como testemunha, informou que o programa permitia que "um falso cadastro de usuário idoso" fosse criado, associando um número de CPF válido "a uma data de nascimento diversa, compatível com a idade de uma pessoa idosa".

Além disso, o Conselho Municipal do Idoso destacou que os registros de 2011 apontam que "alguns idosos utilizaram o transporte coletivo muito acima da média, como por exemplo 178 vezes em um mês, o que equivale dizer 5,9 vezes por dia". Em 2013, após o recadastramento, "a média de utilização da gratuidade pelas pessoas idosas diminuiu consideravelmente, com aproximadamente 15 a 20 utilizações por mês", ressaltou a sentença.

"Entendo que restou demonstrado que a concessionária, por atuação de seus representantes, não só não cumpriu o contrato firmado com o município, mas também atuou, de forma consciente e voluntária, para causar prejuízo ao erário, já que, inflacionados os números dos usuários beneficiados pela gratuidade, inflacionados também seriam os meios de compensação ou os meios de pagamento pelo ente público à prestadora do serviço", concluiu o juiz.

OUTRO LADO.
O advogado Thiago Mendes Pereira, que defende o ex-prefeito Roberto Peixoto, informou que irá apresentar recurso contra a sentença. "Respeitamos a decisão, mas dela não concordamos, razão pela qual iremos ingressar com recurso visando a sua reforma". O mesmo será feito pelo advogado Bruno Bohler, que representa o ex-diretor de trânsito Luiz Donizete Gonçalves. "Não concordamos com a sentença e iremos recorrer".

A ABC afirmou que "reforça sua posição" de "que as irregularidades apontadas pelo Ministério Público jamais existiram", ressaltou que "a decisão apontada é de primeira instância e, portanto, está sujeita à revisão", e que "a empresa apresentará judicialmente os recursos necessários buscando a reforma da sentença".

O atual contrato entre Prefeitura e ABC, firmado em 2009, terminaria em maio de 2024, mas foi prorrogado em junho de 2023 por mais 10 anos, e seguirá até 2034. Nessa quarta-feira (27), a reportagem questionou se, após a Justiça atestar que houve fraude no contrato vigente, o município pretende adotar alguma medida administrativa contra a concessionária. Em nota, a Prefeitura se limitou a afirmar que "vai tomar as providências cabíveis após o trânsito em julgado da decisão [o esgotamento dos recursos]", sem explicar que providências cabíveis seriam essas.

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