HISTÓRIA

‘Titanic brasileiro’, navio Príncipe de Astúrias atrai mergulhadores em busca de tesouro

Por Xandu Alves | São José dos Campos
| Tempo de leitura: 5 min
Reprodução
Transatlântico de luxo Príncipe de Astúrias, chamado de 'Titanic brasileiro'
Transatlântico de luxo Príncipe de Astúrias, chamado de 'Titanic brasileiro'

Velhos marujos dizem que a Ponta da Pirabura, no mar de Ilhabela, é amaldiçoada. Ninguém passa por ali incólume. O local contabiliza mais de 10 desastres marítimos.

O mais famoso deles é o do transatlântico de luxo Príncipe de Astúrias, navio espanhol conhecido como ‘Titanic brasileiro’. Ele saiu de Barcelona, na Espanha, com destino a Buenos Aires, na Argentina, em 1916.

Os 30 dias de viagem foram interrompidos na madrugada de 6 de março daquele ano. Com pouca visibilidade e mar agitado, o navio bateu na laje submersa da Ponta da Pirabura. O casco rasgou, caldeiras explodiram e cerca de 450 pessoas morreram. O navio afundou em cinco minutos.

Passados 107 anos, o local virou um dos pontos mais procurados para mergulhos em destroços. Há quem busque tesouros escondidos nas ruínas do ‘Titanic brasileiro’.

“Ainda existe parte da carga de metais, como estanho, cobre e ouro, além de objetos dos passageiros e 12 estátuas comemorativas”, diz o mergulhador profissional e instrutor Cesar Gentile, 52 anos, de Caraguatatuba.

Mergulhador exploratório de ruínas de cidades submersas, com mais de 400 expedições só no Astúrias, Gentile explica que a grande polêmica que envolve o navio espanhol é sobre a quantidade de pessoas embarcadas.

“Havia quase 600 oficiais e, além deles, a hipótese de quase 800 refugiados de guerra com seus pertences nos porões.”

Segundo ele, existem louças, talheres, objetos pessoais, entre outras coisas por lá, mas, a não ser que o mergulhador tenha autorização para retirar algo, tudo deve ser apenas visto e não retirado -- lei federal torna patrimônio da União os bens no fundo do mar.

Além disso, o desejo de ‘enriquecer’ com os ‘tesouros’ do Astúrias pode trazer grandes perigos. E não são os fantasmas.

O mergulho nos destroços do navio é extremamente técnico, difícil e perigoso. A visibilidade no fundo quase nunca passa de dois metros, as correntes são fortes e as arestas, como pontas, fragmentos e compartimentos, podem facilmente aprisionar o mergulhador ou ainda provocar lesões graves.

“Não recomendo a ninguém que não tenha curso de technical wreck [mergulhar em naufrágios, com alto grau de dificuldade]”, diz Gentile.

Para complicar, operações autorizadas de resgate no final dos anos 1980, com explosivos, deixaram o naufrágio em praticamente três partes, submersas a partir de 18, 36 e 52 metros de profundidade.

Leia a entrevista completa com o mergulhador profissional Cesar Gentile


Como é a sua carreira?

Estou com 52 anos, sendo mais de 34 anos como mergulhador e 31 em área profissional, desde mergulho comercial à instrução de alunos recreativos, técnicos e profissionais, formados aqui e no exterior.


Quantas vezes você mergulhou para explorar os destroços do Príncipe de Astúrias?

São mais de 400 mergulhos , contando apenas os do Astúrias.


Onde os destroços do Príncipe de Astúrias estão alojados?

Ele está nas imediações da Ponta da Pirabura, no mar de Ilhabela. Além da explosão das caldeiras que ocorreu devido ao contato com a água após se chocar nas pedras na madrugada do naufrágio, e que já causou grande estrago no navio, o levando a afundar por completo em menos de 5 minutos, as operações regulares e autorizadas para salvatagem no final da década de 80 com necessidade de uso de explosivos para isso deixaram o naufrágio hoje praticamente em três partes, sendo o início de uma delas a 18 metros de profundidade e as outras a 36 metros e 52 metros.


É um mergulho difícil para explorar os destroços do Príncipe de Astúrias?

Extremamente difícil, principalmente nas seções mais profundas. A visibilidade raramente no fundo passa de dois metros, as correntes são extremamente fortes e as arestas, pontas, fragmentos e compartimentos podem facilmente aprisionar o mergulhador ou ainda provocar lesões graves. Não recomendo a ninguém que não tenha curso de technical wreck.

Um dos enormes riscos lá é a baixa visibilidade, o que não permite fotos ou filmagens com qualidade em termos visuais.


O que é o curso de technical wreck?

Mergulhador de naufrágio que engloba os três níveis de credenciamento. Tradução literal é naufrágio técnico com descompressão e grau de dificuldade mais alto. Os outros níveis seriam wreck  (naufrágio sem perder a luz) e advanced wreck (pode perder luz mas com limitações). Esses seriam mais simples.


Há tesouros nos destroços do Príncipe de Astúrias?

Como em muitos navios, existia e ainda existe parte da carga de metais como estanho, cobre, ouro, objetos dos passageiros e 12 estátuas comemorativas. A grande polêmica é na quantidade de pessoas [embarcadas] entre os quase 600 oficiais e, além delas, a hipótese de quase 800 refugiados de guerra com seus pertences nos porões.

O que pode ter por lá?

Existem louças, talheres, objetos pessoais, entre outras coisas, mas a não ser que a pessoa tenha autorização para retirada de algo, tudo deve ser apenas visto e não retirado.


Caso o mergulhador encontre algo, como funciona a parte legal? Ele pode ficar com o tesouro?

Nesse aspecto, vale citar os trechos da legislação federal que trará sobre esse assunto.

Lei 7542 - Art 32. As coisas ou bens afundados, submersos, encalhados e perdidos em águas sob jurisdição nacional, em terrenos de marinha e seus acrescidos e em terrenos marginais, em decorrência de sinistro, alijamento ou fortuna do mar ocorrido há mais de 20 (vinte) anos da data de publicação desta lei, cujos responsáveis não venham a requerer autorização para pesquisa com fins de remoção, demolição ou exploração, no prazo de 1 (um) ano a contar da data da publicação desta lei, serão considerados, automaticamente, incorporados ao domínio da União.

§ 1º Os destroços de navios de casco de madeira afundados nos séculos XVI, XVII e XVIII ter-se-ão como automaticamente incorporados ao domínio da União, independentemente, do decurso de prazo de 1 (um) ano fixado no caput deste artigo.

§ 2º É livre, dependendo apenas de comunicação à Autoridade Naval e desde que não represente riscos inaceitáveis para a segurança da navegação, para terceiros ou para o meio ambiente, a realização de excursões de turismo submarino, com turistas mergulhadores nacionais e estrangeiros, em sítios arqueológicos já incorporados ao domínio da União, quando promovidas por conta e responsabilidade de empresas devidamente cadastradas na Marinha do Brasil e no Instituto Brasileiro de Turismo, sendo vedada aos mergulhadores a remoção de qualquer bem ou parte deste.


Como você aprendeu tanto sobre o Príncipe de Astúrias?

Neste caso, preciso homenagear quem me ensinou tudo sobre o Astúrias, desde a história, até como mergulhar e sair vivo dele. Grande mestre quando se fala no Príncipe de Astúrias é o meu mentor sobre o navio, o senhor Jeannis Michail Platon, imigrante grego que está no Brasil há mais de 60 anos. Ele é estudioso dos naufrágios e histórias do Litoral Norte, mergulhador profissional e autor de vários livros. Ele me ensinou tudo que sei sobre o Astúrias dentro e fora da água.






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