Narrativa. Esse foi, sem dúvida alguma, um dos termos que você mais ouviu nos últimos anos, em meio ao fortalecimento da extrema direita no Brasil.
Na acepção da palavra, narrativa é meramente o relato de um acontecimento ou de um fenômeno. Mas, entre os apoiadores dessa ideologia política, virou um termo pejorativo. Narrativa, para eles, era basicamente uma mentira contada pelos inimigos (que eram todos classificados como esquerda), que até poderia ser baseada em fatos, mas que encadeava esses acontecimentos de uma forma maldosa para, no fim, deturpar a verdade.
Nesse mundo imaginário (e invertido?), era como se todo mundo que não concordasse com as ideias da extrema direita tivesse tido a mente sequestrada pela esquerda. Somente eles, por exemplo, seriam capazes de enxergar fora da matrix e perceber que algo como o aquecimento global seria apenas uma narrativa da esquerda.
E essa alucinação coletiva dentro desse grupo, obviamente, seria explorada por seus líderes. Havia risco de perder a eleição? Bastava inventar mentiras sobre as urnas e o sistema eleitoral para, no futuro, usar isso para contestar a provável derrota.
Por muito tempo, Bolsonaro gozou de uma credibilidade praticamente inabalável com uma grande parcela do eleitorado. Ele podia falar que a cura para a pandemia era um remédio para verme, que não sabia das falcatruas cometidas por seus ministros ou que nunca soube que centenas de pessoas que trabalharam em seu gabinete ou com seus filhos devolviam parte dos salários. Qualquer absurdo que ele dizia era aceito sem contestação.
A diferença agora é que a missão de Bolsonaro não é mais convencer seus eleitores, mas sim quem irá julgar as dezenas de ações que podem torná-lo inelegível ou levá-lo para a cadeia. E, convenhamos, só gostando muito do ex-presidente para engolir o que foi dito até agora. Por exemplo: para justificar a publicação nas redes sociais que questionava o processo eleitoral após os ataques contra as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, a desculpa foi de que ele estava sob efeito de morfina.
No caso das joias sauditas, a alegação é de que Bolsonaro não sabia dos conjuntos e também desconhecia as diversas tentativas de sua equipe para rever os estojos. No episódio da fraude na vacinação, o argumento é de que o ex-presidente não sabia que seu ajudante de ordens inseriu no sistema dados falsos de Bolsonaro e de sua filha. O ex-presidente também diz que desconhecia a minuta golpista encontrada na casa de Anderson Torres, que era um de seus ministros mais próximos.
Para quem tem a tarefa de pensar nas desculpas que Bolsonaro terá que contar a cada nova acusação, os últimos dias devem ter sido desgastantes e desafiadores.