Editorial

Lula, Orwell e o 'Ministério da Verdade'

A criação de ‘Ministério da Verdade’, por meio de decreto, é um erro: não cabe ao governo definir o que é desinformação

Por Editorial | 06/01/2023 | Tempo de leitura: 2 min

Pista de pouso número 1. Nesta província distópica, antes conhecida como Grã-Bretanha, foi ambientada a clássica obra ‘1984’, do escritor George Orwell, de 1949.

O livro, que criou o termo ‘Big Brother’, descreve um sufocante regime tirânico e despótico que patrulhava o livre pensamento, vigiava os cidadãos, manipulava fatos e torturava a História, perpetuando o poder absoluto do ‘Grande Irmão’, líder do partido, em um país que vivia  em guerra.

O personagem central da trama é Winston Smith, um funcionário do Ministério da Verdade, órgão que responde pela propaganda oficial do regime ditatorial e por revisar fatos históricos -- cabe a ele reescrever os jornais antigos, de maneira que o passado jamais desminta a posição atual do grande líder.

Ao longo dos últimos 10 anos, ‘1984’ constantemente volta às listas dos mais vendidos, como reflexo de similaridades da obra com uma realidade vigiada.

Exemplos: em 2013, depois do escândalo do esquema de espionagem criado pela Casa Branca  para vigiar líderes mundiais, as vendas cresceram 7.000%; fenômeno parecido teve a eleição do  republicano Donald Trump, que  foi pavimentada pelo uso avassalador de fake news.

Pois bem, no presente, no ano de 2023, ‘1984’ e o ‘Ministério da Verdade’ voltaram à baila nesta semana depois que o recém-empossado governo Lula (PT), por decreto, criou a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia, subordinada à AGU (Advocacia-Geral da União).

De acordo com a AGU, o novo órgão terá a atribuição de combater a desinformação, devido à preocupação com o descalabro ocorrido nos últimos quatro anos, na gestão Jair Bolsonaro.

A medida é criticada por entidades e pela oposição, que consideram a nova atribuição dada à AGU um risco que pode levar à censura. Afinal, quem definirá o que é desinformação?

A primeira reação ao novo dispositivo veio do deputado federal Carlos Sampaio (PSDB), que entrou com uma representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) para que o órgão ingresse com ação junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) e peça, liminarmente, que o principal tópico do decreto seja suspenso. Ele concedeu entrevista a OVALE e comparou a criação da Procuradoria a um ‘Ministério da Verdade’, fazendo alusão ao livro de Orwell. ‘Não tem cabimento o governo dizer o que é desinformação’, declarou o deputado à reportagem.

A OVALE, a ANJ (Associação Nacional dos Jornais) disse ver a situação com ‘preocupação: “a ANJ entende também que não cabe a governos pretenderem criar uma linha divisória sobre o que é verdade ou não”.

A praga das fake news são uma ameaça à democracia. O combate à desinformação, porém, deve ser feito por meio de novas leis -- há um projeto para regulamentar o tema no Congresso, ainda em discussão --- e punições mais duras, além da responsabilização das big techs e do fortalecimento do jornalismo, maior antídoto à epidemia da mentira..

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do SAMPI

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