
Às 18h, quando as lojas da região central de Jundiaí fecham, as ruas, que de dia são efervescentes, tornam-se um deserto. O trânsito de pedestres é abruptamente reduzido e aparecem no ambiente apenas os que durante o dia são invisíveis. Pessoas em situação de rua, prostitutas, catadores de recicláveis e um ou outro transeunte que frequenta as redondezas por ter residência ou comércio.
Em outros tempos, o Centro de Jundiaí foi considerado bairro de moradia e ponto de encontro de muitos moradores durante a noite. Havia cinemas de rua. A praça Governador Pedro de Toledo, que abriga a catedral Nossa Senhora do Desterro, já foi mais movimentada quando a luz natural se ia, quando havia a tradição das missas no local.
Hoje, o único evento que movimenta o espaço à noite é a distribuição de alimentos às pessoas em situação de rua, promovida por cidadãos comuns. E quem vê o Centro vazio e sabe que nem sempre foi assim, considera um espaço em decadência.
Justamente distribuindo marmitas para moradores em vulnerabilidade, Karen Casarin conta que começou a fazer o trabalho há pouco tempo e tenta ter regularidade na ação. "A cada duas semanas trazemos alimento e suco ou água. A gente chega e encosta o carro, eles mesmos se organizam e sabem que a gente vem para distribuir as marmitas. A gente se inspirou em um amigo que também faz isso. Chegamos umas 19h e em meia hora já distribuímos tudo." Para ela, o Centro fica ainda mais deserto após as 21h, quando até as farmácias fecham.
Auxiliando no trabalho, Gilberto Paulielo, que mora no Centro, fala que, de fato, as ruas são bem desertas ao escurecer. "Hoje não tem nada, mas já houve algumas atividades que davam vida para o Centro, porque ele fica morto de noite. Moro aqui há quatro anos, já fui abordado por usuários de drogas, não me roubaram, mas dá uma sensação de insegurança. Só farmácia que fica até mais tarde, mas às vezes eu tenho receio de ir a uma farmácia que fica a 150 metros de distância da minha casa", diz ele que acha necessária uma ação que dê vida ao Centro de noite.
Um dos recebedores das marmitas, Ednei Falchetti diz que gosta de ficar próximo à catedral de noite, mas que tem residência. "Não fico aqui sempre, às vezes eu vou para casa. Tem doação de marmita, me deram uma, mas vou dar para quem quiser, graças a Deus eu tenho casa e alimento. Estou afastado do serviço por causa da pandemia, sou tapeceiro, mas agora eu olho carro. O Centro está deserto, que falta faz o Ipiranga. Seria bom ter um telão aqui pra galera, todo mundo ia ficar de boa assistindo", sugere ele como opção de entretenimento depois do fim do Cine Ipiranga, que encerrou suas atividades na década de 1990.
Também morador do Centro, há cerca de quatro anos, Bernardo Vianna fala que a região ficou ainda mais vazia com a pandemia. "Está mais deserto, a quantidade de morador de rua é maior, tem uma exploração intensa do trabalho sexual. Pensando em ações, acho que deveria haver um olhar mais cuidadoso da assistência social. Acho que segurança não é o problema, iluminação eu acho OK."
DE PASSAGEM
Catador de recicláveis, Dionísio Sebastião Antonio mora no Jundiaí-Mirim, mas vai recolher papelão e outros materiais todos os dias quando as lojas fecham. "Venho toda noite umas 19h. De noite o Centro é um pouco deserto, mas ando por aqui e não tem problema. Não levo a carrocinha embora todo dia, deixo no meu trabalho aqui perto e vou embora de ônibus, mas de manhã eu venho para cá a pé. Trabalho fazendo todo tipo de serviço, carpindo, tem que trabalhar, não pode ficar parado. Faço 59 anos no começo do ano que vem, mas não aposentei ainda", afirma, puxando a carrocinha abarrotada, visivelmente acima da carga suportada por ele.
Vendendo milho e derivados em um carrinho na rua Barão de Jundiaí, Rejane Bezerra Costa e Edson José de Souza acham que o Centro é tranquilo à noite. "Caiu a energia ontem (18), mas normalmente não fica escuro. Para a gente é tranquilo, passa polícia e guarda toda hora. Mas a gente chega umas 17h30 e fica até 19h30, fica bem deserto mais tarde. Ninguém nunca mexeu com a gente, normalmente as pessoas que moram na rua só que pedem algo para comer, mas não incomodam", fala Rejane, que considera Jundiaí, de modo geral, uma cidade tranquila.
Também achando o local tranquilo, Claudinei Lopes, que vende lanches com o pai e filho, já se acostumou com as noites do Centro. "De segurança é de boa, não tem muito trânsito de carro, quem para aqui é mais cliente mesmo, que vem comprar lanche. Estamos aqui há 41 anos e já aprendemos a lidar com a situação, temos até amizade com os moradores de rua. Como a gente costuma fechar meia-noite, se passa alguém diferente querendo mexer com a gente, eles não deixam. Mas acho que seria legal se tivesse mais barzinhos no Centro à noite, para ter mais movimento", diz Lopes.
Consultora de cosméticos, Mariana Rodrigues tem um ponto no Centro que fecha para o público à noite, mas ainda recebe revendedoras. "Tem uma delegacia perto e tem guarda passando direto, acho tranquilo de noite. Mas, se à noite tivessem mais locais abertos, acho que os comerciantes abririam também, porque se o pessoal vê começa a se interessar", explica.
Donos de lojas que costumam fechar ao anoitecer, Jeferson Gomes e Marcio Sene defendem que seja necessária alguma ação que atraia público à região de noite. "Precisa de segurança e movimento. Não tem atrativo para as pessoas virem ao Centro de noite e o comerciante só abre até tarde se tiver cliente, mas o cliente só vem se tiver segurança", pontua Marcio.
Jeferson acredita que em outras cidades há exemplos de ações. "Tem cidade pequena que a prefeitura coloca brinquedos para as crianças de noite no Centro, aí atrai público. Nós já fomos roubados de noite, já arrombaram a minha loja e a dele", explica sobre os comércios vizinhos.
Comerciantes, Éder e Giuliano Mantovani só funcionam até o horário comercial, mas têm um escritório também no Centro, onde ficam até mais tarde. "Ficamos aqui até 2h. O Centro ainda é mal visto, não é igual o shopping. Acho que em outras cidades é diferente, uma sugestão é o Centro de Indaiatuba que é ótimo de noite", diz Giuliano.
Éder acha que o problema é de reurbanização. "Tinha que trazer lojas âncoras, lanchonetes, coisas que puxam as pessoas. As praças estão largadas, precisa rever o calçamento. Essa rua, a Senador, depois das 19h é prostituição. Tem segurança, mas tem que ter qualidade. A Nove de Julho está linda, mas o Centro tem que rever. Precisa ter qualidade para que quem fique até mais tarde tenha onde ir", reclama.