OPINIÃO

Os finais de ano de antigamente


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Eu não sou saudosista, muito pelo contrário, pulso pela modernidade. Tenho, aqui em casa, na minha pequena família, hábitos que são só nossos e, mesmo com filhos crescidos, ainda se mantêm, como assistir a filmes natalinos e adocicados nesta época do ano. Nossa ceia é diminuta, já que todos querem manter o shape e os libero, como a mim também, para passar o réveillon onde quiserem.

Entretanto, ainda sinto o cheiro da leitoa assada, que meu avô exigia para o Natal dos seus. Mas o meu prato favorito mesmo era o franguinho recheado com farofa de miúdos de minha avó Lourdes. Acontece que, assada aos pouquinhos, a farofa virava um tipo de cuscuz molhadinho. Das sobremesas, todas feitas pelas minhas tias queridas, o pavê de chocolate era imbatível, assim como o pudim de leite da vovó, que aprendi a fazer.

Era um entra e sai de gente. Uma infinidade de primos e primas, tios e amigos. Mamãe era acolhedora e abraçava a todos que aparecessem para a data. Tenho saudades imensa desta família estendida, que hoje não se encontra mais neste plano. Não tenho mais avós nem pais e no último ano tenho perdido meus tios, aos poucos. O que me acalma é que nós, os primos, seguimos unidos e queridos, mas nesta formação atual, todo mundo se ama, mas não interfere na vida de ninguém.

Ninguém ligava para presentes. A gente se contentava com pouco e minha família não era afeita ao consumismo, mesmo que houvesse um pouco mais de dinheiro. Todo mundo se presenteava, mas com coisas mínimas, bolas e bonecas, bolsinhas para as meninas. O importante era todo mundo ser presenteado. (Vou abrir um parênteses aqui. Tenho dois afilhados, de 11 e 6 anos, graças a Deus educados longe do mercado de consumo e longe das telas, porque eu acho devastador o preço dos brinquedos destas lojas chiques de shoppings e sempre me pergunto pra quê? Para acabar com a criatividade dos meninos e meninas?).

Mas eu tinha um tio esbanjador. Era meu querido tio Cid e, por incrível que pareça, o único comunista da família. Eu me lembro até hoje quando ele me deu uma caixa de bombons só para mim. Imaginem vocês que era essa caixa que hoje compramos facilmente nos mercados. Mas chocolate só para mim, sem ter de dividir com meus irmãos, nunca tive. Noutra vez, ele me deu um liquidificador de criança, mas que batia leite com groselha de verdade. Meu tio já se foi, quantas saudades, fomos amigos a vida inteira, mas seu exemplo de generosidade fica sempre guardado comigo.

Nem vou falar muito do meu pai, que se vestia de Papai Noel e estava sempre pronto para servir à família. Outro exemplo fraco para os dias de hoje, com pouca entrega de amor e dedicação ao próximo. Ele era imbatível e a vovó dizia que ele iria pro céu, sem fazer curvinha. Dois lindos da minha vida.

Nem tudo é perda. Tenho agora um genro lindo, que me prometeu encher minha casa futura de netos. Meus primos já estão com os filhos se casando, então já já terei a nova geração dos Tavares-Gattolini. Os pets dos meninos também vêm para encher a casa da vovó. No final do ano, nossas esperanças se renovam. Eu, por mim, mulher trabalhadeira, não espero o descanso futuro. Espero mesmo que todos nós tenhamos saúde e inteligência para acolher a próxima geração. Que deixamos de ser individualistas para cuidar de toda nossa tribo. Que a alegria e a prosperidade de espíritos alcancem a todos!

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ

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