SANTUÁRIO NO MT

Elefanta Kenya morre 5 meses após ser transferida da Argentina

Por Gabriel Gama | da Folhapress
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Reprodução
A elefanta Kenya morreu nesta terça-feira
A elefanta Kenya morreu nesta terça-feira

A elefanta Kenya morreu nesta terça-feira (16), cinco meses após ter sido transportada do Ecoparque de Mendoza, na Argentina, para o Santuário de Elefantes Brasil, localizado na Chapada dos Guimarães, em Mato Grosso. Sua idade era estimada em 44 anos.

De 2019 a 2025, quatro animais que viviam no santuário faleceram menos de um ano após a transferência ao local, de acordo com informações divulgadas no site da instituição. O santuário é especializado em receber elefantes que passaram décadas em cativeiro.

A elefanta Pupy havia chegado ao santuário em abril, vinda do Ecoparque de Buenos Aires, e morreu em outubro, com cerca de 35 anos. A entidade diz que o Laboratório de Patologia da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso) ainda não concluiu as autópsias e que a entrega do laudo pode demorar até 90 dias após os óbitos.

Outros dois animais perderam a vida pouco tempo após a mudança para o local. Pocha havia sido transferida em maio de 2022 e faleceu em outubro daquele ano, com aproximadamente 57 anos de idade. Já Ramba morreu em dezembro de 2019, dois meses após ser levada ao santuário, com idade estimada entre 60 e 65 anos.

Por outro lado, a elefanta Guida viveu quase três anos no santuário: foi transferida em outubro de 2016 e faleceu em junho de 2019, aos 44 anos. Lady permaneceu ainda mais tempo: chegou em 2019 e morreu em 2024, aos 52 anos.

Cinco fêmeas da espécie asiática vivem atualmente no local: Maia, Rana, Mara, Bambi e Guillermina.

O santuário se recusou a mostrar à Folha os laudos das autópsias dos animais que faleceram e não respondeu sobre as causas das mortes e os protocolos de atenção veterinária. Após os questionamentos da reportagem, a entidade publicou nas redes sociais uma nota sobre as mortes das elefantas Kenya e Pupy.

"Sabemos que muitos de vocês apoiam o santuário, compreendem o impacto devastador do cativeiro e reconhecem que as elefantas do Santuário de Elefantes Brasil recebem um nível de cuidado veterinário que não é oferecido em nenhum outro lugar da América do Sul", diz o comunicado.

A instituição afirma que os dados preliminares da autópsia de Kenya apontam para uma alta probabilidade de tuberculose em estágio avançado. A necropsia de Pupy, cujo resultado tampouco está publicado, não indicou a doença, segundo o santuário.

"Quanto mais dados temos em mãos, melhor conseguimos aprimorar continuamente nossos cuidados e oferecer a elas a liberdade de se reconectarem consigo mesmas -algo que talvez nunca tivessem a oportunidade de vivenciar de outra forma", disse, ainda.

O laboratório da UFMT afirma que não fornece dados de prontuários. A reportagem apurou que existe um termo de confidencialidade que veta a divulgação de qualquer informação, inclusive sobre as visitas de profissionais da universidade ao local.

Nas redes sociais, o santuário publica vídeos e fotos sobre a vida das elefantas, que acumulam dezenas de milhares de curtidas. Foram feitas quatro postagens sobre o estado de saúde de Kenya antes do anúncio de sua morte. Nos comentários, parte dos usuários questiona os óbitos sucessivos em pouco tempo após a mudança para a reserva.

O biólogo Igor Morais pesquisa o comportamento animal na natureza e em cativeiro e trabalhou no Zoológico de Brasília de 2016 a 2022, além de ter sido membro da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil, como integrante do comitê de bem-estar animal.

"Até o momento, não há nenhuma evidência de erro médico ou negligência. Eram animais que tinham um quadro de saúde realmente problemático", afirma. "No caso de um zoológico ou santuário, se essa instituição recebe muitos animais vindos de resgate, apreensões ou de cuidados inadequados, é esperado que vá ter um número de óbitos maior."

De acordo com o santuário, a última elefanta que faleceu tinha uma condição nas articulações. "Kenya começou a apresentar um estalido na pata dianteira direita, que evoluiu para um estalo alto. Isso já foi observado em elefantes africanos em cativeiro e é muito difícil de manejar", disse a instituição em uma das postagens.

Na mesma publicação, a entidade afirmou que a elefanta recebeu antibióticos e que estava agendada para acupuntura.

Morais diz não gostar da forma de comunicação do estabelecimento. "Eu, no lugar do santuário, teria mostrado nas redes sociais todo o procedimento médico com os elefantes. Mas me mostre quantos zoológicos no Brasil mostram procedimento médico?"

A morte de Kenya também movimentou a discussão sobre novas transferências de animais ao santuário, como a elefanta Baby, que vive no antigo zoológico do parque Beto Carrero, em Penha (SC). Inicialmente, ela deveria ter sido levada ao Animália Park, em Cotia (SP), mas uma ação civil pública da ONG Princípio Animal pediu que o destino fosse o local em Mato Grosso.

A equipe jurídica do Beto Carrero se opõe à mudança. "Há uma profunda preocupação com o futuro da Baby, não podemos permitir que outras mortes venham a acontecer", disse o advogado Murilo Varasquim, em comunicado.

O elefante Sandro, que fazia parte de um circo e vive no Parque Zoológico Municipal Quinzinho de Barros, em Sorocaba (SP), também pode ser transferido ao santuário. O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) autuou a prefeitura em setembro por maus-tratos ao animal.

A reportagem procurou a Federação Global de Santuários de Animais, que credencia instituições de todo o mundo segundo critérios próprios e reconheceu o santuário em Mato Grosso em 2020. Kristin Leppert, diretora de vida selvagem da federação, afirmou que a organização "apoia integralmente o Santuário de Elefantes Brasil e o cuidado que eles fornecem aos elefantes".

O Ibama não respondeu aos questionamentos da reportagem. Tampouco houve retorno da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil.

Morais diz discordar da posição do santuário brasileiro de que elefantes não devem estar em zoológicos. "Eu já visitei um número considerável de instituições no exterior que manejam elefantes muito bem e têm programas de conservação muito bem estruturados para elefantes, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa", opina.

"A questão é que para elefantes viverem bem em zoológicos, isso exige bastante recurso, e eu não conheço um zoológico sequer no Brasil que tenha investido a quantidade de recursos necessários para que um elefante prospere em cativeiro", afirma. "Aqui no Brasil, a gente tem uma visão muito errada e ultrapassada do que é um zoológico. E isso, infelizmente, é motivado pelos próprios zoológicos."

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