OPINIÃO

Um minuto para o fim do mundo 


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O título pode parecer alarmista, mas é só parte da letra de uma canção da banda CPM 22, no álbum “Felicidade Instantânea” de 2005. Eu a escolhi para encabeçar o artigo desta semana que inicia dezembro para mostrar que, mesmo vinte anos depois do seu lançamento, o trecho ainda traduz muito bem a sensação engatilhada pela chegada do último mês do ano.

Isso sempre me chamou a atenção de uma maneira especial, pois quando perguntava para meus clientes o que o mês de dezembro trazia de sensação para o corpo deles, esperando como resposta algo como “uma sensação de acolhimento, vinda da família que se encontra para celebrar” ou mesmo “o prazer da esperança em um futuro próspero que começa hoje mesmo”, o que ouvia eraa o contrário:

“Sinto ansiedade e agitação, um certo desconforto no peito pela pressa de ter que fazer muito em pouco tempo” ou ainda “Sinto que tenho pouco tempo para resolver tudo o que é preciso e isso me dá desespero”. Mesmo agora, isso me surpreende.

A surpresa ocorre também porque a sensação de premência por uma ação que não se sabe bem qual é não é limitada ao final do ano; parece que esta época é só mais um gatilho que ativa a ansiedade de um ciclo que se aproxima da sua conclusão, questionando a validade de todo o trabalho demandado e verificando o que falta, já que está para terminar.

A questão aumenta de relevo quando sentimos que talvez o que falte é o retorno, o prazer, a satisfação que o ciclo proposto não nos proporcionou da maneira que gostaríamos. O corpo percebe isso e pode inconscientemente disparar uma ansiedade alertando-nos que algo precisa ser feito, já que uma expectativa não foi preenchida.

Não para por aí, infelizmente. Dentre queixas de dores no ombro sem mecanismos de lesão claros, crises lombares e de “ciático” vindas do “nada” é comum que eu verifique que o paciente se encontra próximo do próprio aniversário, ou ainda prestes a concluir um ciclo de vida acadêmica, entregar um trabalho importante ou se programando para uma palestra que irá fechar um esforço de meses.

O sintoma, então, é ativado devido a uma premência que está relacionada com a “cobrança” de resultado que o “fim do processo” demanda, mas que não é vista integralmente por nós. Pode ser um desequilíbrio entre o dar e o receber, nos dando a sensação de sofrer uma agressão que não pode ser expressa em palavras..., mas somente em forma de dor em conjunto com a já citada ansiedade inexplicável.

Quando os sintomas ocorrem nos fechamentos de ciclo que envolvem toda uma sociedade (exemplo perfeito nesta época de festas, onde se conclui o ano) temos o indicativo que evidenciei:  as aspirações das demandas da vida, que envolvem a própria sobrevivência e outros básicos para si, não correspondem às aspirações mais profundas, libertadoras, que preenchem a alma de cada um, fornecendo a sensação de que fez-se algo para o próprio caminho além de simplesmente “continuar vivendo para mais um dia”.

Não gostaria que a música do CPM22 descrevesse a situação de ninguém, mas o fato é que ela corresponde a percepção de muitos, senão, não seria o sucesso que foi. O passo para mudar isso, contudo, pode ser dado: consciência do que nos satisfaz plenamente, a ponto de eliminar aquilo que não nos é genuíno e prioritário das nossas vidas, pois a escolha do que se quer passa antes pela rejeição daquilo que não nos preenche.


Dr. Alexandre Martin é médico, especialista em acupuntura e com formação em osteopatia e medicina tradicional chinesa

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