OPINIÃO

ODS viram agenda crítica de emergência


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Chegamos ao fim de 2025 e ao transcurso dos dez anos da instituição dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável com a desconfortável constatação, apontada em relatório da ONU, de que apenas 35% das metas seguem no caminho certo, 47% avançam lentamente e 18% retrocedem. A esperança de um futuro mais próspero e justo, expressa no lançamento dos ODS em setembro de 2015, na Cúpula das Nações Unidas, em Nova York, continua sendo mais um horizonte moral do que um destino concreto.

Não se trata de negar algumas conquistas importantes. A prevenção da malária evitou mais de dois bilhões de casos e salvou quase 13 milhões de pessoas desde 2000; a proteção social já alcança mais da metade da população mundial; e 110 milhões de crianças e jovens a mais entraram na escola desde 2015. A desigualdade de gênero recuou em parte, com menos casamentos infantis, mais meninas permanecendo na escola e uma presença crescente de mulheres nos parlamentos.
 
O problema é que, para cada avanço, há uma ferida aberta. Mais de 800 milhões de pessoas ainda vivem em extrema pobreza. Bilhões continuam sem acesso a água potável, saneamento e higiene. O ano de 2024 foi o mais quente da história, com temperatura média de 1,55 grau Celsius acima dos níveis pré-industriais, número que nos assusta ainda mais ante o fracasso, na COP 30, em Belém do Pará, do caminho para a erradicação dos combustíveis fósseis.
No ano passado, conflitos armados mataram mais de 50 mil pessoas e forçaram mais de 120 milhões a abandonarem suas casas. Países de baixa e média renda carregam o peso de uma dívida recorde, que em 2023 consumiu US$ 1,4 trilhão apenas em pagamentos. São recursos que não deveriam financiar crises, mas sim bem-estar, saúde, educação e inclusão.

É nesse cenário que a ONU reorganiza sua estratégia referente aos ODS em seis áreas prioritárias: sistemas alimentares; acesso à energia; transformação digital; educação, empregos e proteção social; ação climática; e biodiversidade. O curioso é que, embora raramente apareça como protagonista no debate público, a indústria está no núcleo de todas essas frentes. Sem ela, não haverá aceleração possível.

Sistemas alimentares mais eficientes dependem de uma indústria capaz de ampliar produtividade, inclusive agrícola, com tecnologia limpa, reduzir perdas na cadeia logística, processar alimentos com menor pegada ambiental e apoiar uma transição para modelos regenerativos. Energia acessível só será realidade com a fabricação de turbinas, painéis, baterias e redes inteligentes. A transformação digital repousa sobre semicondutores, fibras ópticas, data centers e equipamentos produzidos em escala industrial.
 
Na educação, a indústria, além de manter sistemas de excelência como o Senai e o Sesi, produz cadernos, livros, notebooks e todos os materiais escolares. Além disso, como se observa no Ciesp e na Fiesp, advoga com persistência a melhoria do ensino público, pois 
Há demanda de elevada qualificação profissional. Afinal, capacitação, inovação e produtividade são motores industriais antes de serem políticas de Estado.

Mais do que defender a necessária melhoria da qualidade da educação pública, temos contribuído para que essa conquista seja alcançada. Por meio do programa Sesi Para Todos, colocaram-se os recursos técnicos e humanos da instituição, bem como seu avançado sistema de ensino, a serviço das escolas das redes estadual e municipais, nas quais estudam 80% das crianças e adolescentes. Em apenas quatro anos, realizaram-se 17 projetos, de maneira gratuita, na totalidade dos 645 municípios de São Paulo. A estimativa é de que essas ações impactaram 152 mil professores e 20 mil gestores escolares, alcançando um contingente de 4,5 milhões de alunos.

No que diz respeito à ação climática e à biodiversidade, também dependem de uma profunda revisão dos padrões industriais, da transição para energias limpas à substituição de materiais, do redesenho de processos à circularidade dos recursos. Ou seja, o setor não é apenas parte do desafio, mas sobretudo protagonista das soluções, como se observa na experiência paulista. Nesse sentido, Ciesp e Fiesp têm construído um ecossistema de iniciativas que dialogam diretamente com as seis frentes priorizadas pela ONU.
 
São programas referentes à digitalização e descarbonização do setor, bem como suporte para que empresas mapeiem emissões, implementem tecnologias limpas e acelerem a transição para processos de baixo carbono. Ademais, programas de promoção da diversidade fortalecem ambientes de trabalho mais inclusivos.
 
Os resultados de todos esses nossos esforços demonstram que, quando o setor mobiliza-se, há impacto real sobre competitividade, emprego, inovação e compromisso ambiental, em resposta ao diagnóstico da ONU de que estamos diante de uma emergência de desenvolvimento sustentável. Penso que, se a Agenda 2030 nasceu como um acordo de propósitos, seu aniversário de dez anos exige um pacto urgente de ação, no qual a indústria não pode ser espectadora, mas sim protagonista.

Afinal, se queremos que os próximos cinco anos produzam mais do que boas intenções, será no encontro entre tecnologia, investimento, inovação e responsabilidade que encontraremos o único caminho possível: o de transformar metas distantes em resultados concretos. E isso passa diretamente pelo setor industrial, que, quando mobilizado e ouvido, tem capacidade e força de contribuir para mover não apenas economias, mas capítulos inteiros da História.
 
Rafael Cervone é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp)

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