OPINIÃO

Autocuratela 


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A possibilidade da pessoa idosa escolher antecipadamente quem será responsável por cuidar de seus interesses caso venha a perder a capacidade de decisão tem ganhado força no Brasil. A autocuratela, também chamada de curatela planejada, foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça como um instrumento legítimo para garantir autonomia e dignidade. Esse mecanismo permite que qualquer pessoa plenamente capaz indique quem assumirá decisões financeiras e pessoais em caso de doença, limitações cognitivas ou perda de autonomia.

O envelhecimento brasileiro torna o tema ainda mais urgente. O país possui mais de trinta e dois milhões de pessoas com sessenta anos ou mais e deve ultrapassar quarenta milhões até dois mil e trinta segundo projeções do IBGE. Doenças neurodegenerativas também crescem. A Associação Brasileira de Alzheimer estima que mais de um milhão e duzentos mil brasileiros vivem com algum tipo de demência, número que pode dobrar nas próximas décadas. Esse cenário reforça a necessidade de instrumentos legais que protejam a pessoa idosa antes que a incapacidade se instale.

A autocuratela funciona como uma declaração formal registrada em escritura pública que só produz efeitos se houver perda comprovada de capacidade. Nesse momento, o Judiciário valida a indicação e o curador previamente escolhido passa a assumir as responsabilidades. O procedimento evita disputas familiares e conflitos sobre quem deve cuidar do idoso. Segundo dados do Ministério da Justiça, mais de quarenta por cento das denúncias envolvendo violações contra idosos estão relacionadas a abuso financeiro cometido por pessoas próximas. Definir o curador com antecedência reduz espaço para manipulação e oferece maior segurança jurídica para todos os envolvidos.

Entre as vantagens está a possibilidade da pessoa idosa escolher uma pessoa de confiança, que respeite seus valores e preferências. Muitas vezes, famílias passam por tensões quando a incapacidade surge de forma súbita. A autocuratela reduz esse impacto e acelera a transição para uma curatela organizada e transparente. Também proporciona maior previsibilidade para instituições financeiras, hospitais e serviços públicos que lidam diariamente com situações delicadas envolvendo pessoas com limitações cognitivas.

Existem porém desvantagens. A autocuratela exige informação e planejamento e muitos idosos só buscam ajuda quando os sintomas da incapacidade já estão avançados. Além disso, o instituto não dispensa totalmente a atuação judicial. O juiz pode revisar a escolha caso perceba risco para a pessoa protegida e o Ministério Público continua atuando como fiscal do processo. Outro ponto é o risco de o idoso realizar a indicação sob influência inadequada de terceiros, motivo pelo qual a orientação jurídica e a presença de testemunhas são recomendadas.

Apesar dos desafios, a autocuratela representa um marco importante para o envelhecimento brasileiro. Em uma sociedade que vive mais e enfrenta taxas crescentes de doenças cognitivas, permitir que cada pessoa decida antecipadamente quem cuidará dela é uma forma de proteger sua história, seus afetos e sua vontade mesmo quando já não conseguir expressá-los plenamente. É um passo relevante para garantir dignidade, segurança e autonomia em uma etapa da vida que exige cada vez mais proteção.

Edvaldo de Toledo é empresário, enfermeiro, especialista em Cuidados Domiciliares, apresentador do IssoPodAjudar e criador da Cuidare Home Care 

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