A recente perseguição contra o bispo de Jundiaí depois de sua nomeação como referencial para grupos LGBT+ no Brasil revela algo curioso sobre certos setores da Igreja. Bastou um bispo ser chamado a acompanhar pessoas que pedem apenas escuta e cuidado pastoral para que surgisse uma onda de indignação que beira o absurdo. Há quem trate a simples presença de pessoas LGBT+ na Igreja como se fosse uma ameaça, e quem veja o trabalho pastoral como um gesto de traição. Esse espanto exagerado não fala sobre o Evangelho. Fala sobre corações que se acostumaram mais com a vigilância do que com a misericórdia.
É como se alguns fiéis acreditassem que defender a fé significa controlar quem pode entrar, quem pode se aproximar e quem pode ser acompanhado. Mas a verdade é que, quando olhamos para a atitude de Jesus, não encontramos nada parecido com isso. Ele não se comportou como inspetor de almas. Nunca pediu uma lista de credenciais para acolher alguém. Nunca afastou quem buscava sinceramente a fé, mesmo que viesse marcado por histórias difíceis. A postura dEle lembra muito mais o samaritano da parábola do que os religiosos que atravessaram a rua para não se comprometer.
Se atualizarmos essa parábola, o ferido da estrada poderia ser justamente a pessoa LGBT+ que se aproxima da Igreja e encontra olhares de suspeita. E o samaritano talvez fosse alguém como Dom Arnaldo, que não se assusta com a dor do outro e entende que o papel de um pastor é colocar bálsamo, não erguer muros. O que incomoda alguns não é a doutrina, mas a possibilidade de que o cuidado pastoral revele que todos somos irmãos e irmãs diante de Deus.
Jesus também falou sobre a famosa trava no olho. E como essa imagem cabe bem aqui. Há pessoas que conseguem enxergar com enorme rapidez tudo o que consideram errado na vida alheia, mas são incapazes de perceber o medo, a vaidade espiritual e a dureza escondida dentro de si. Criticam Dom Arnaldo Carvalheiro Neto como se defender a dignidade de pessoas LGBT+ fosse uma ameaça para a Igreja. Mas o que realmente ameaça a comunidade cristã é a incapacidade de viver o Evangelho com simplicidade. Jesus não pediu que alguém vigiasse falhas alheias. Pediu que cada um olhasse primeiro para si mesmo.
Enquanto isso, a Igreja permanece sendo esse lugar amplo e cheio de gente diferente. Não é um salão de perfeitos. É um espaço de caminhada, de tropeços, de buscas sinceras. E nesse espaço cabem naturalmente pessoas LGBT que desejam encontrar Deus. Elas não querem privilégios. Querem exatamente o que todos querem: rezar, ouvir a Palavra, participar da comunidade, crescer espiritualmente.
Por isso, causa estranhamento ver tantos levantando barricadas. A fé cristã não combina com portas fechadas. Jesus nunca expulsou quem se aproximava. Sempre acolheu, ensinou, orientou. Acolher nunca significou relativizar a verdade. Significou apenas agir como Ele agiu. E quando um bispo decide acompanhar com responsabilidade e cuidado pessoas que muitas vezes já sofreram rejeição, isso não é escândalo. É Evangelho vivido.
A pergunta fundamental continua a mesma. Queremos ser como aqueles que passam adiante justificando a própria omissão com discursos religiosos ou como o samaritano que vê, se compadece e cuida mesmo quando não concorda com tudo, mesmo quando não entende tudo, mas ainda assim escolhe amar.
No fim, Dom Arnaldo não está sendo criticado porque faz algo contra a fé, mas porque lembra a todos nós que o Evangelho exige proximidade. E proximidade assusta quem prefere controlar em vez de servir. Jesus nunca ficou ao lado de quem fecha portas. Ele sempre caminhou com quem abre espaço. Entre a rigidez que exclui e a misericórdia que acolhe, o Evangelho já fez sua escolha. E talvez seja hora de nós fazermos a nossa também.
Samuel Vidilli é cientista social