Nos últimos anos, cresce nas escolas brasileiras a pressão de famílias para acelerar os estudos de crianças pequenas, sob o argumento de que seriam superdotadas ou portadoras de altas habilidades. Em muitos casos, essas solicitações chegam acompanhadas de testes de Q.I., tratados como verdades absolutas, apesar de sua limitação por não considerarem a criança em sua totalidade, deixando de fora aspectos fundamentais como maturidade emocional, socialização, capacidade de lidar com frustrações, autonomia e interesse genuíno pelos desafios escolares.
A legislação educacional prevê atenção diferenciada a estudantes com altas habilidades, incluindo a possibilidade de aceleração. No entanto, isso tem sido frequentemente interpretado como autorização para antecipar etapas escolares sem a devida cautela. O equívoco se intensifica na Educação Infantil, onde a aceleração é desaconselhada pelo Ministério da Educação, que orienta priorizar o enriquecimento pedagógico, a ampliação de experiências e a flexibilização das propostas, em vez do avanço precoce de etapas.
A sociedade atual, obcecada por performance, produtividade e resultados, hiperestimulada e cheia de recursos digitais, gera crianças que aprendem a ler cedo, memorizam informações rapidamente e demonstram curiosidade acima da média. Nesse sentido, é tentador projetar expectativas irreais sobre essas crianças. Mas isso não basta para classificá-las como superdotadas nem para justificar que pulem etapas essenciais do desenvolvimento. A infância tem seu próprio ritmo. Confundir precocidade acadêmica com altas habilidades tornou-se um dos erros mais recorrentes e prejudiciais.
A escola, que acompanha a criança no cotidiano, é a instância mais adequada para avaliar suas necessidades reais. Ela observa muito além do desempenho acadêmico: vê a forma como a criança convive, lida com frustrações, se expressa, constrói vínculos e amadurece. Quando esse olhar integral é ignorado, a aceleração pode se transformar em um fardo. Crianças mais novas enfrentam dificuldades de convivência com colegas mais velhos, sentem a pressão de corresponder ao rótulo de “diferente” e podem desenvolver ansiedade, insegurança e perda de interesse pelos estudos.
A melhor resposta às altas habilidades é o enriquecimento curricular, não a pressa. Projetos desafiadores, atividades diferenciadas e estímulos culturais ajudam a expandir o potencial da criança sem atropelar etapas formativas.
Encurtar a infância não é oferecer vantagem. É privar a criança de vivências que moldam sua identidade, sua confiança e seu futuro. Em educação, avançar rápido nem sempre significa avançar melhor — e, muitas vezes, significa simplesmente avançar mal.
Francisco Carbonari é ex-secretário de Educação