OPINIÃO

Consciência Negra


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Caro leitor, o 20 de Novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, é mais do que uma data no calendário; é um farol que ilumina a história do Brasil sob uma perspectiva frequentemente ignorada: a da resistência, da cultura e da inestimável contribuição do povo negro para a formação da nossa nação. Celebrar este dia é reconhecer a face da luta e da persistência que moldaram o país que somos hoje, ao mesmo tempo em que nos convoca a uma reflexão urgente sobre as desigualdades que persistem.

A escolha da data não é aleatória. Ela homenageia a morte de Zumbi dos Palmares, o último líder do Quilombo dos Palmares, um dos maiores e mais duradouros símbolos de resistência e liberdade das Américas. Palmares não foi apenas um refúgio para africanos escravizados, mas uma verdadeira nação alternativa, que floresceu por mais de um século, desafiando a lógica da escravidão e provando que a liberdade era a lei natural do homem. Zumbi, e sua esposa e estrategista, Dandara, representam a força indomável de um povo que, mesmo sob o jugo da violência, jamais se dobrou.

Por muito tempo, a narrativa oficial do Brasil tendeu a minimizar ou romantizar a escravidão, tratando-a como um capítulo infeliz, mas superado. A Consciência Negra, contudo, nos força a encarar a verdade crua: o país foi construído sobre mais de 300 anos de brutalidade, e o fim da escravidão, em 1888, não veio acompanhado de políticas de integração ou reparação. O resultado foi o marginalização estrutural da população negra, empurrada para as periferias sociais e econômicas.

O racismo, portanto, não é um mero desvio de conduta individual, mas sim um pilar estrutural que se manifesta na falta de oportunidades, na violência policial desproporcional, na sub-representação em espaços de poder e na disparidade salarial. A data é fundamental, pois resgata as personalidades negras que foram apagadas dos livros, de Luiza Mahin à escritora Carolina Maria de Jesus, de Machado de Assis (cuja negritude foi convenientemente "embranquecida") ao engenheiro André Rebouças. Eles são a prova de que a inteligência, a arte e a inovação negra sempre estiveram presentes, apesar da estrutura racista.  

É inegável que avanços foram conquistados nas últimas décadas. A implementação de políticas de cotas raciais em universidades e concursos públicos, por exemplo, demonstrou ser um poderoso motor para a inclusão e a diversidade em ambientes até então elitizados. O debate público sobre o racismo se tornou mais frequente e menos tolerante com as manifestações de preconceito.

Entretanto, os dados continuam alarmantes. O Brasil é um país onde a chance de uma pessoa negra ser vítima de violência letal é significativamente maior do que a de uma pessoa branca. O encarceramento em massa atinge desproporcionalmente a população negra e pobre. Nas grandes empresas e nos altos escalões do governo, a diversidade ainda patina. A luta é diária.

A Consciência Negra, nesse contexto, deve ser um chamado à ação para a sociedade como um todo.
Para o Estado: É urgente a implementação e o fortalecimento de políticas públicas que combatam o racismo institucional em áreas como segurança, saúde e educação.

Para o mercado de trabalho: É preciso ir além do discurso, promovendo a equidade salarial e a ascensão de profissionais negros a posições de liderança.

Para a sociedade civil: É imperativo que cada cidadão branco assuma sua responsabilidade no combate ao racismo, indo além da não-agressão e tornando-se um agente antirracista ativo.

O Dia da Consciência Negra também é uma celebração exuberante. É a celebração do axé, do samba, da capoeira, do candomblé, da umbanda, do rap, da culinária, da moda e de todas as formas de expressão que a diáspora africana semeou no Brasil.
         
O que o movimento negro nos ensina é que a luta pela igualdade é, no fundo, a luta pela humanidade plena. É reconhecer que a história e a cultura negra não são apenas um "nicho" ou um "apêndice" da identidade nacional; elas são o próprio cerne da brasilidade.

Que o 20 de Novembro nos sirva de lembrete anual para que a luta pela equidade não se restrinja a uma única data. A Consciência Negra precisa ser diária, ativa e transformadora. Somente com o reconhecimento pleno da nossa dívida histórica e o compromisso real com um futuro justo para todos, poderemos, de fato, honrar o legado de Zumbi e construir a nação plural, democrática e verdadeiramente livre que sonhamos. Pense nisso!

Micéia Lima é pedagoga, psicopedagoga e neuropsicopedagoga na ONG ‘A casa do Ney’ 

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