OPINIÃO

Você fica comigo?


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Quando soube da prisão da enfermeira e de seu marido, lembrei-me de minha sobrinha, hoje com 18 anos e concluindo o primeiro ano de faculdade. Na primeira vez que esteve em casa, para nos ser apresentada, aos quatro anos, um pouco antes de ir embora me disse: “Tia Cris, se a mamãe e o papai não me quiserem mais, a vovó Irene e você ficam comigo?” Respondi-lhe que isso não aconteceria, mas ela insistiu. Disse-lhe que sem dúvida ficaríamos com ela. O Felipe, que no dia 18 completou 19 anos, chegou com sete meses e, sem dúvida, não se recorda do tempo de abrigo.

Não consegui ainda assimilar a tortura que os dois meninos da doula e do marido sofreram, com exceção da menina, pelo que noticiaram. Ela, a mãe, em suas entrevistas, comentou que após seis horas de entrar na lista para adoção fora chamada para conhecer os três em São Paulo.
Seu vídeo, da hora em que se viram, emocionou milhares de pessoas e seus seguidores foram aumentando, chegando a 62,1 mil.

Diversos partos, com cuja mãe ela atuara como doula, também se tornaram matéria em seu Instagram. O conceito era o seguinte: casal fantástico, de coração grande, voltado para o respeito pela vida.

Não fosse a escola particular, que aplaudo, ser atenta aos alunos, a denúncia que levou o casal ao presídio não aconteceria. O menino mais novo com cicatrizes, mas sem machucados recentes. O de dez anos bem ferido apanhando com raquete de tênis, de castigo sem comida, trancado em um quarto, com os testículos torcidos, a meia na boca para não gritar.... Triste demais! A menina, por quem ela demonstrava claramente preferência, parece que não foi espancada, contudo deveria assistir às cenas de martírio dos irmãos.

Soube, há poucos dias, que,em um evento das crianças, ela não queria aceitar o fotógrafo do local. Pagaria um outro em que as fotos subiriam de imediato para o seu Instagram, com o propósito de serem visualizadas por seus seguidores. Ou seja, a prioridade dela era o marketing sobre si mesma.
Gosto de repetir o que dizia nossa avó paterna: “A terra jurou não guardar segredo”. Será que se desviou em nome dos aplausos?

Um amigo me falou: “O demônio assumiu o comando.” O demônio é o pai da mentira.

Que perversidade. Não sei quanto tempo esses três irmãos ficaram em um abrigo. Viviam a experiência de não ter uma família, por melhor que fosse o local. Escolheram-nos para serem parentes, mas os meninos, por algum motivo, não corresponderam ao anseio de sucesso dos “pais”.

Levaram, na mochila de volta ao abrigamento, traumas recentes. E quem fica com eles?

Em sua homilia, no domingo dia 16, o Padre Márcio Felipe de Souza Alves disse: “Jesus é categórico: todas as vezes que fizestes isso a um dos meus pequeninos, foi a mim que fizestes. Todas as vezes que o pai ou a mãe perde a paciência – absolutamente normal – não se justifica torturar aqueles que são pequenos ou grandes, quanto mais pequenos indefesos. Chega a doer na alma. Isso, no entanto, não justifica vingança”.

Desejo que surja uma família do bem para adotá-los e que os dias de terror sejam substituídos por manhãs de Primavera. Desejo-lhes um tempo de verdadeiro amor; amor que cuida.

Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista

Comentários

1 Comentários

  • Maria Inês Guarda Tafarello 20/11/2025
    Muito triste esse acontecimento sobre tortura por parte de pais que quiseram filhos. Foram buscar. As crianças já sofriam antes, a dor de não terem Família. Mas o que aconteceu com o sentimento de quem procurou ter filhos ? O que aconteceu ao coração desses pais que foram aprovados nos critérios de adoção ? Por que tantos sofrimentos para essas crianças ? Coloco essas indagaçoes nas mãos de Deus e peço que Ele as abençoe e proteja !