OPINIÃO

A desigualdade cognitiva 


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Nos últimos anos, a cognição — nossa capacidade de compreender, processar e interpretar o mundo — tem sido apresentada como um dos grandes diferenciais entre as pessoas. Em um contexto de transformação acelerada, quem pensa melhor, aprende mais rápido e se adapta com flexibilidade tende a se destacar.

Mas essa leitura, ainda que verdadeira em parte, ignora um fator essencial: a cognição não floresce no vazio. Ela se constrói sobre bases sociais, emocionais e linguísticas profundamente desiguais. No Brasil, onde as oportunidades de acesso à educação de qualidade, cultura e tempo livre para o pensamento crítico são distribuídas de forma tão desigual, o “diferencial cognitivo” é, antes de tudo, um sintoma das assimetrias sociais.

A linguagem, nesse contexto, é talvez o espelho mais evidente dessa desigualdade. Ela é o instrumento por meio do qual o pensamento se estrutura. Quem domina as palavras, domina as ideias. Quem não teve oportunidade de expandir seu repertório linguístico — por falta de leitura, de ambiente estimulante ou de professores preparados — acaba tendo o próprio pensamento limitado por uma gramática imposta pela exclusão.

E isso vai muito além da fala ou da escrita “correta”. Trata-se da capacidade de simbolizar, de nomear o que se sente e de articular raciocínios complexos. Quando a linguagem é restrita, o mundo interno também se estreita — e a cognição, inevitavelmente, se empobrece.

Não é por acaso que tantos debates públicos no país parecem travar em mal-entendidos básicos. Não se trata apenas de opiniões divergentes, mas de diferentes níveis de compreensão conceitual e linguística. Enquanto alguns operam em camadas abstratas de raciocínio, outros lutam para organizar o concreto do cotidiano.

Infelizmente, no dia a dia, tenho percebido que cada vez mais uma parte da população não entende o enunciado. E não adianta repetir - eles não estão aptos a ouvir. Quem está no dia a dia do trabalho já percebeu o abismo que enfrentamos. Talvez a desigualdade social brasileira acrescente mais uma triste qualidade à nossa falha educacional - a desigualdade cognitiva.

Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ

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