OPINIÃO

Territórios não ocupados 


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As imagens que vimos esta semana nos entristecem e nos emudecem enquanto mães, mulheres e cidadãs. Mais uma chacina para a conta do nosso país, em flagrante desrespeito aos direitos civis e humanos. Você pode me perguntar se sou defensora dos traficantes. Não, não sou. Mas os preferia encarcerados, dentro do rito processual a que todo cidadão deveria ter acesso, dentro de presídios de segurança máxima. 

Não há caminho fácil para enfrentar o narcotráfico e, no Rio de Janeiro, a profissionalização do tráfico, engendrada em sebastianismos que prometem salvar aquela população periférica, encontra atualmente ainda uma variante cristã (?). Muitos narcotraficantes se tornaram pastores pentecostais, misturando poder bélico ao religioso. O Rio é um caos, mas as autoridades dão um jeito quando querem fazer grandes eventos, como Olimpíada ou Encontro do G20. Estive lá, no último G20, e não havia perigo nas ruas.

A verdade, como mostraram a Polícia Civil de SP e o Gaeco, é que o crime organizado está enfronhado em nossas vidas, no combustível adulterado, no cigarro contrabandeado, nos fundos de investimento da Faria Lima, além de políticos eleitos com financiamento ilícito das facções. Sem falar nas pequenas corrupções cometidas por nós mesmos.

Aqui mesmo em nossa cidade há locais em que os traficantes mandam. A polícia vai até lá e destrói tudo, mas no dia seguinte tudo volta ao mesmo ritmo. É enxugar gelo. Os territórios estão ocupados pelo tráfico e criminosos. Ao lado de minha casa há uma cracolândia que existe há mais de 15 anos, com consequentes furtos, roubos e violência.

A droga está por toda parte, consumida por diversas camadas da população, incluindo ricos, brancos, juízes, promotores, médicos…  Antigamente, eu acreditava que resolveríamos o problema tratando do consumo. Hoje já não tenho mais esta certeza. Almas estão sendo devastadas pela droga diariamente e esse consumo só aumenta. Uma sociedade doente, com vidas ceifadas, tirando a alma de muitas mães, que veem seus filhos morrendo à sua frente.

O problema é de todos. Consumidores e traficantes, da polícia corrupta que não age, da escola que não ensina, da saúde que não oferece o tratamento adequado, da falta de emprego e ascensão social, da falta de pais (eu disse dois responsáveis) para educar, da preguiça e letargia de uma sociedade corrompida pelas telas.

Os territórios deveriam ser ocupados por lazer, arte e cultura. Escola de qualidade, mobilidade urbana, um projeto de habitação social para todos. Pleno emprego. Centros de atendimento social e educacional abertos sete dias por semana, empoderamento feminino, empreendedorismo. O crime organizado deveria ser parcela mínima de uma sociedade e não esse show de horrores que vemos hoje em dia.    

Quando o Estado não toma seu território, a violência vence.


Ariadne Gattolini é jornalista e escritora. Pós-graduada em ESG pela FGV-SP, administração de serviços pela FMABC e periodismo digital pela TecMonterrey, México. É editora-chefe do Grupo JJ

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