A palavra bullying vem do Inglês - que por sua vez vem do Latim “Bullire”- e designa o ato de “intimidar” ou “amedrontar”, englobando múltiplas formas de agressão: verbal (insultos, xingamentos), física (empurrões, socos), psicológica (difamação, isolamento, exclusão) e virtual, quando as agressões se estendem ao ambiente digital, o chamado cyberbullying.
Trata-se de um fenômeno complexo, que não pode ser reduzido a comportamentos individuais, pois reflete padrões sociais, familiares e institucionais mais amplos, enraizados na cultura da competitividade, na desigualdade e na ausência de empatia.
Definido como intimidação sistemática, intencional e repetitiva, física ou psicológica, que ocorre sem motivação evidente, o fenômeno transcende a “brincadeira” e exige uma resposta estrutural e imediata. Sua ocorrência, marcada por desequilíbrio de poder entre agressor e vítima, é hoje reconhecida como uma das expressões mais nocivas da violência interpessoal, com impacto profundo sobre a formação emocional, social e cognitiva de crianças e adolescentes.
Diversas pesquisas recentes dimensionam a gravidade do bullying no Brasil. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), do IBGE, cerca de 38% das escolas brasileiras relatam casos de ameaças, ofensas verbais e outras formas de intimidação entre estudantes. Entretanto, esse número pode estar subestimado: entre 2013 e 2023.
Outro levantamento, realizado pelo DataSenado em 2023, apontou que quase 7 milhões de estudantes sofreram algum tipo de violência dentro da escola. O dado é alarmante: entre jovens de 16 a 29 anos, 52% afirmaram já ter sido vítimas de bullying em algum momento de sua trajetória escolar. Essa proporção revela uma percepção aguda do problema entre as novas gerações, que crescem em meio a pressões sociais e emocionais intensificadas pelo uso das redes digitais.
O cyberbullying, por sua vez, tem se expandido em ritmo acelerado. A vida escolar digitalizada ampliou o espaço de atuação dos agressores, permitindo que a violência ocorra 24 horas por dia, sem limites físicos. Dados de 2019 mostram que 13,7% dos adolescentes brasileiros entre 13 e 17 anos foram vítimas de algum tipo de agressão virtual — número ainda maior entre as meninas, mais expostas a comentários sobre aparência e sexualidade.
Os efeitos do bullying ultrapassam a esfera imediata do sofrimento escolar. As vítimas desenvolvem com frequência transtornos de ansiedade, depressão, isolamento social e baixa autoestima. Muitos apresentam queda no desempenho acadêmico, evasão escolar e, em casos extremos, automutilação e ideação suicida.
Pesquisas internacionais, como as realizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), confirmam que a exposição contínua ao bullying na infância e adolescência está associada a maiores índices de depressão na vida adulta, dificuldades de relacionamento e problemas de confiança. Por outro lado, os agressores também tendem a apresentar, no futuro, comportamentos antissociais e propensão à violência, o que mostra que o bullying é destrutivo em ambos os polos da relação.
No plano social, o bullying perpetua a cultura da dominação e da exclusão, naturalizando a humilhação e a desigualdade. Uma sociedade que tolera o bullying na escola acaba reproduzindo o autoritarismo e a violência em outras instituições, criando um círculo vicioso de opressão. A escola, portanto, torna-se o primeiro campo de batalha onde se disputa o tipo de convivência que queremos estabelecer: uma convivência baseada na empatia e no respeito ou na hostilidade e no medo.
Em resumo, o avanço do bullying não deixa de ser um subproduto negativo da liberdade democrática e deixa claro o sentido da fala de Churchill “A Democracia é a pior forma de governo, exceto por todas aquelas outras formas que foram experimentadas de tempos em tempo”, ou seja, as garantias democráticas que nos permitem viver em liberdade estão sujeitas a excessos que precisam ser pontualmente combatidos.
O Brasil, no caso, dispõe hoje de dois importantes instrumentos legais para o enfrentamento da violência escolar. O primeiro é a Lei nº 13.185/2015, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática. Ela define o bullying, estabelece diretrizes para sua prevenção e exige que escolas e instituições de ensino adotem políticas de conscientização, orientação e intervenção.
Mais recentemente, a Lei nº 14.811/2024 elevou a gravidade jurídica do tema ao criminalizar o bullying e o cyberbullying, inserindo-os no Código Penal. A nova lei prevê penas para quem pratica, induz ou instiga a intimidação sistemática, inclusive por meios eletrônicos. Mas, embora o avanço legislativo seja significativo, a mera punição não basta.
A efetividade dessas leis depende da formação adequada dos educadores, da implementação de protocolos internos e da participação ativa das famílias. As escolas devem criar comissões de mediação de conflitos, canais seguros de denúncia e projetos pedagógicos que valorizem a escuta, o diálogo e a convivência pacífica.
Além disso, o combate ao bullying precisa estar articulado com políticas públicas de saúde mental, uma vez que a maioria das escolas ainda carece de psicólogos e assistentes sociais em número suficiente para atender à demanda crescente de sofrimento.
Miguel Haddad é ex-prefeito de Jundiaí e ex-deputado federal