Com instituições tão fortes — comprovado por um longo período histórico —, por que parece que os EUA não conseguem defender a sua democracia sob Trump II?
Uma possível resposta pode ser o fato de os EUA não terem passado pela experiência de governos autoritários, exceto pela já mostrada no Trump I.
Quando nunca se viveu sob um regime autoritário, a vigilância está dormente. Quando uma sociedade já viveu sob o autoritarismo, ela é mais vigilante, está acordada.
Embora os EUA tenham passado por tristes histórias, como a de invadir países (democráticos e não democráticos) e a de participar de diversos golpes de estado mundo afora — o que praticaram intensamente —, sempre mantiveram, internamente e fora dos governos civis, um modelo razoável de democracia. Isso levou o americano a não ter memória coletiva de autoritarismo. Eles nunca perderam a democracia, até Trump II. A maioria da sociedade americana não entende a ameaça que está enfrentando, não acredita que os EUA possam se tornar um estado autoritário de maneira nenhuma.
"Os brasileiros não têm essa ilusão. Isso pode explicar por que o político no Brasil enfrentou de forma mais séria a ameaça autoritária." O americano pode até achar que a democracia nos EUA não está correndo perigo. Mas está.
Trump II parece ter pressa em destruir séculos da história da democracia americana. Neste momento, o presidente tem baixo apoio popular e enfrentará em 2026 eleições parlamentares para renovação de parte da Câmara e do Senado Americano, com perspectiva de derrota. Hoje ele tem maioria nas duas casas legislativas americanas.
Há outra pergunta a ser feita:
Por que países com bancada autoritária, como Venezuela, Hungria e Turquia, não lograram defender a democracia como o Brasil? Os governantes desses países manipularam o Judiciário e o Legislativo e, em muitos casos, promoveram a abolição desses poderes.
Os governos autoritários, quando mantêm "o legislativo e o judiciário ativos como fachada", o fazem como obra de marketing, o que normalmente acaba conferindo legitimidade ao autoritarismo.
"A conclusão de que a democracia não pode se defender se os políticos e a sociedade civil não enxergarem uma ameaça é banal, por ser muito ampla.” Mas afirmar que "assim até as democracias mais consolidadas podem morrer" parece exagerado.
Ainda é cedo para vaticinar qualquer coisa.
“A democracia é o maior patrimônio de uma sociedade plural, e defendê-la não pode ser fruto de diversity washing."
Sobre a memória do período de escravização no Brasil, a perspectiva também parece promissora por aqui. Na semana passada, o Governo Federal reconheceu (Lei 15.20/2025) o sítio arqueológico Cais do Valongo (RJ) como "patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro essencial à formação da identidade nacional" e estabeleceu diretrizes para a sua especial proteção. Tomara que não seja mais uma “lei para inglês ver".
Enquanto no "Reino Trumpista", nem mesmo o passado está a salvo da sanha negacionista que move o empenho em ocultar ou reescrever a história. Há alguns dias, o monarca americano — Donald Trump II — ordenou a remoção do retrato de "Peter Chicoteado" (um negro escravizado com as costas mutiladas por múltiplos açoitamentos) das exposições em parques nacionais. A foto, datada de 1863, é uma das mais explícitas provas materiais da desumanidade praticada durante a escravidão nos EUA.
Em tempos de hiperpolarização, tentar explicar a 11ª tese de Karl Marx mais atrapalha do que ajuda. Enfim, “gente querendo modificar o mundo não falta; o que anda em falta é mão de obra honestamente dedicada a entendê-lo e a explicá-lo direito”.
Pensando em tudo isso, é que transcrevo aqui trecho do livro Um Tempo para não Esquecer, da Dra. Margareth Dalcolmo, ganhadora do prêmio Jabuti na categoria ciência, em 2022. Diz ela textualmente:
“Eu esperava que [houvesse] uma outra espécie de renascimento no mundo, um mundo em que as pessoas se mostrassem mais fraternas umas com as outras.”
“Após a pandemia, o número de conflitos que se criou no mundo é muito maior do que seria pensável. O ódio coletivo ou individual, sobretudo a indiferença, se exacerbou de uma maneira que me choca como pessoa e como médica.”
As palavras da Dra. Dalcolmo são em relação ao enfrentamento feito à Pandemia do Coronavírus e ao futuro da saúde.
Oswaldo Fernandes foi secretário da Educação em Jundiaí