Neste ano, o Brasil comemorou a saída do Mapa da Fome conforme o documento “O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Mundo 2025”, da Organização das Nações Unidas (ONU). Foi um feito celebrado, posto que o relatório divulgado em 2023 apontava que, no biênio 2020-2022, mais de 70 milhões de brasileiros sofriam algum grau de insegurança alimentar,dos quais 21 milhões enfrentavam a fome de forma grave e cotidiana.
Porém, embora milhões de brasileiros ainda convivam com a insegurança alimentar, os que estão na outra ponta, a do excesso de peso, também merecem atenção. A pesquisa “Meu Peso, Minha jornada”, realizada pelo Datafolha e recém-divulgada, revelou que 59% dos adultos do país estão com sobrepeso ou obesidade, com alterações de pressão e colesterol, entre outros problemas de saúde.
A dupla carga da má nutrição — fome e desequilíbrio alimentar — também acontece no estado de São Paulo. Mesmo sendo o estado mais rico do país, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelam que, em 2024, cerca de 1,4 milhão de paulistas viviam em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, passando fome.
Na infância o prejuízo é ainda maior, pois as deficiências comprometem também o futuro. Nenhuma criança pode aprender efetivamente se enfrenta déficits nutricionais, seja por subnutrição ou por obesidade. A deficiência nutricional prejudica o aprendizado, afeta diretamente o desenvolvimento físico, cognitivo e emocional. Além disso, ficam sujeitas a doenças crônicas no futuro, como hipertensão e diabetes.
É esta realidade que o programa Alimentar o Futuro, destinado a crianças de zero a dez anos, se propõe a atacar. Esta iniciativa da Fiesp, em parceria com o Ciesp e o Sesi-SP, tem como objetivo apoiar e estruturar políticas públicas de segurança alimentar e nutricional junto aos municípios, bem como capacitar profissionais dessa área.
Para isso, mobiliza governos locais e também o setor privado. As empresas podem apoiar financeiramente organizações da sociedade civil engajadas com a causa da alimentação saudável na infância, promover capacitações e ações educativas, fomentar boas práticas alimentares, dar visibilidade à causa, entre outras possibilidades. A participação corporativa é estratégica para a iniciativa, que aposta numa rede colaborativa entre poder público, sociedade civil e setor produtivo.
O Alimentar o Futuro iniciou projetos-pilotos em quase 70 municípios paulistas, distribuídos entre a região de Araraquara e do Vale do Ribeira. Nesta etapa, foram beneficiadas 256,8 mil crianças, sendo 196 mil matriculadas em escolas públicas e 18,7 mil fora da rede de ensino. Para 2026, o objetivo é expandir o programa para 173 municípios, o que corresponde a 27% das prefeituras paulistas, impactando 1,2 milhão de crianças de zero a dez anos, inclusive as matriculadas em creches.
O incentivo à agricultura familiar também está entre as metas. A partir do ano que vem, a legislação determina que 45% dos recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sejam aplicados na compra de alimentos diretamente da agricultura familiar e de empreendedores rurais. Se esta exigência for realmente cumprida, a medida possibilitará a ampliação do acesso a alimentos frescos e saudáveis nas escolas, além de fortalecer a economia local.
Combater simultaneamente a fome e o sobrepeso exige visão de longo prazo e colaboração entre diferentes setores. Em um país onde a fome e a má nutrição andam lado a lado, iniciativas como essa mostram que é possível nutrir o futuro.
Vandermir Francesconi Júnior é 2º vice-presidente do CIESP e 1º diretor secretário da FIESP