OPINIÃO

A vergonha é deles. A culpa é nossa


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A aprovação da chamada PEC da Blindagem pela Câmara dos Deputados é um retrato estarrecedor da distância entre representantes e representados. O Congresso, que deveria ser guardião da democracia, preferiu se blindar contra a Justiça e reforçar privilégios que ferem o espírito republicano.

O texto aprovado cria uma série de mecanismos que, na prática, dificultam a responsabilização de parlamentares. Deputados e senadores só poderão ser processados pelo Supremo Tribunal Federal se a própria Casa autorizar. Prisões em flagrante por crimes inafiançáveis, como homicídio ou tráfico, também dependerão do aval dos colegas para continuar válidas. E, para agravar, as votações que decidem se o parlamentar será processado ou mantido preso ocorrerão em voto secreto. Transparência e accountability dão lugar a autoproteção.

Não se trata apenas de um detalhe jurídico. É um retrocesso institucional que compromete a separação de poderes e abre espaço para a impunidade. A Justiça passa a ser submetida à conveniência política. O eleitor perde o direito de saber como votou o seu deputado em questões que dizem respeito à moralidade pública. E presidentes de partidos, mesmo sem mandato, ganham foro privilegiado no STF.

É natural sentir vergonha diante desse cenário.

Vergonha de um Parlamento que legisla em causa própria, que confunde mandato com imunidade absoluta.

Mas a vergonha não deve ser dirigida apenas aos deputados. Ela deve nos atingir também como cidadãos. Por um simples motivo: eles estão lá porque nós os colocamos lá. Nenhum parlamentar caiu de paraquedas em Brasília. Cada voto, consciente ou descuidado, ajudou a construir esse Congresso que nos envergonha.

Inegavelmente, a responsabilidade é do eleitor que vota sem pesquisa, que se guia por slogans vazios, favores ou promessas. A responsabilidade é  do cidadão que se abstém, que anula, que se omite. A cada vez que negligenciamos nosso dever de escolher bem, fortalecemos aqueles que hoje aprovam medidas para se proteger.

E o resultado é um ciclo vicioso: elegemos representantes que não nos representam e que, diante da escolha entre defender o povo ou blindar a si mesmos, escolhem sempre a segunda opção.

A democracia não fracassa sozinha. Isso acontece em grande parcela quando nós falhamos em nossa parte: votar com consciência, acompanhar os mandatos, cobrar coerência, recusar a lógica do “todos são iguais”.

A PEC da Blindagem é um espelho cruel, que mostra não apenas a crise ética de nossos representantes, mas também a irresponsabilidade de um eleitorado que insiste em repetir erros.

Reclamar da blindagem em Brasília, mas continuar votando nos mesmos que a aprovam, é hipocrisia. 
O Congresso é reflexo da sociedade que o elege. A vergonha pode até ser deles. Mas a culpa, definitivamente, é nossa.

Samuel Vidilli é cientista social (svidilli@gmail.com)

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